Com a mudança na regra de remuneração da poupança, mais uma pedra foi tirada do caminho pelo governo para que o juro continue sua caminhada em direção a níveis recordes de baixa – as projeções mais conservadoras colocam a Selic em 8,5% ao ano, ante os atuais 9%, mas já há quem estime taxa abaixo de 8%. Já o juro real, descontada a inflação, bateu nos 2,5% ao ano. Cenário que passou a ser um prato cheio para ativos de risco, entre eles a bolsa de valores.
Em economês, diz-se que o custo de oportunidade de investir em alternativas mais arriscadas em substituição a aplicações em juros diminuiu. Ou seja, daqui para frente, o investidor que decidir sair de um ativo indexado ao CDI estará abrindo mão de um retorno real de 2,5%, e não mais de 7%, válidos um ano atrás, ou de 15%, há dez anos. “Hoje, o investidor tem menos estímulo para ficar no CDI”, diz Jorge Simino, diretor de investimentos da Fundação Cesp.
Otávio Vieira, sócio da Fides Asset Management, calcula que o prêmio de risco implícito da bolsa brasileira hoje está em 5%. O número é resultado de um retorno esperado para o mercado de 9% – 5% relativos à expectativa de crescimento de lucro das empresas mais 4% de retorno com dividendos (“dividend yield”) -, descontado um juro real de 4%, calculado com base no título público indexado à inflação, a NTN-B. Um ano atrás, afirma, o prêmio de risco implícito para a bolsa era de 1,8%, menor justamente por conta do juro real na casa de 7%.
O Credit Suisse, informa Emerson Leite, chefe da área de análise, projeta crescimento agregado para empresas listadas de 6% para este ano e um retorno com dividendos de 4%. “Só esse rendimento já é maior que a taxa Selic”, afirma o analista. “No atual cenário de queda estrutural de juro, vai haver aumento do apetite por risco.”
Mas será que é possível esperar um grande movimento de migração de recursos da renda fixa para a variável? A resposta não é tão simples assim. Na visão de Simino, é preciso mais do que a redução do custo de oportunidade. É preciso acreditar que há um potencial de valorização muito grande na bolsa para compensar o vaivém do mercado, a chamada volatilidade.
Hoje, diz o diretor da Funcesp, são dois os principais problemas do Ibovespa. Um deles envolve questões microeconômicas relativas a empresas que representam pelo menos 40% do índice – leia-se Petrobras e o reajuste de combustíveis que não acontece; Vale e preocupações com a China, além de pendências tributárias; bancos e a pressão sofrida para reduzir spreads e rentabilidade; e construtoras, que se atrapalharam na administração dos custos. Com o Ibovespa na casa dos 61 mil pontos, se essas empresas representam cerca de 40%, pode-se dizer que 24,4 mil pontos estão congelados e apenas 36,6 mil pontos embutem algum ganho potencial. Começa aí, segundo Simino, o segundo problema.
Nos 36 mil pontos, estão empresas ligadas ao consumo doméstico, que hoje são uma incógnita, na visão do diretor da Funcesp. Quanto o país vai crescer neste ano, em 2013, para que essas companhias continuem oferecendo ganhos?, questiona. Para Simino, essas companhias já estão bastante esticadas na bolsa. Ele cita casos como o de Pão de Açúcar, com alta acumulada de 35% no ano, Renner, com ganho de 33%, Ambev (+18%) etc. “É difícil estufar o peito e dizer vou montar uma participação grande em ações; está difícil achar barganha”, pondera.
Simino trabalha com um Ibovespa a 70 mil pontos, o que significaria uma valorização de cerca de 15% em relação ao nível atual de 61 mil pontos. Contudo, ele acredita que, para compensar a volatilidade, o Ibovespa precisa oferecer um retorno três vezes maior do que o juro nominal, o que hoje seria equivalente a 20%.
Em relação ao índice, Leite, do Credit Suisse, reconhece que a perspectiva não é muito favorável. Ele destaca, contudo, o desempenho positivo de ações de empresas que têm uma proteção natural contra inflação, como aquelas que têm capacidade de repassar aumentos de preços, de setores que são bons pagadores de dividendos ou contam com um fluxo de caixa estável, como as elétricas e concessionárias de rodovias.
Há oportunidades também, na opinião dele, em setores que vêm sendo muito punidos como o de óleo, mineração e bancos ou ainda em histórias diferentes, novas, com a perspectiva de mais aberturas de capital. “Com o juro baixo (e até negativo) globalmente, tem muito capital em busca de ativos de risco e o Brasil tem diversidade de alternativas para atrair esses recursos”, acredita. Mas Leite pondera que o apetite é seletivo.
Para Vieira, da Fides, num horizonte de 12 a 24 meses, o espaço de valorização da bolsa gira entre 25% e 30%, considerando o Ibovespa, e supera os 60% se levada em conta uma carteira de ações selecionadas, bem diversificada e menos vulnerável às commodities. Ele reconhece que o cenário hoje ainda é hostil para ativos de risco, especialmente por conta das turbulências no exterior. “Mas no médio e longo prazo, a bolsa é o ativo que mais tende a se beneficiar do juro baixo”, diz. Na visão dele, a tendência é que o portfólio do investidor brasileiro se assemelhe ao do americano, mais ligado à renda variável. “No futuro, a alocação média em bolsa deve ficar entre 30% e 60%.”
O potencial de migração para bolsa, continua, é enorme. Segundo as contas dele, dos investidores individuais com pelo menos R$ 100 mil aplicados, só cerca de 15% dos recursos estão em fundos e, desse total, apenas 9% estão em portfólios que tem ações em carteira. Ele lembra ainda que a pessoa física vem saindo da bolsa desde a crise de 2008, o que abre espaço para a volta. Já no grupo dos institucionais, Vieira diz que, sem considerar os grandes fundos de pensão Previ e Petros, a alocação em bolsa está em torno de 14% – nos Estados Unidos, ela é de 50%. Fonte:Valor