O preço dos restaurantes brasileiros virou um assunto constante à mesa e fora dela. Estrangeiros que visitam o país ficam impressionados com o montante das contas. “Que preços absurdos são esses? É completamente ridículo!”, disse, semanas atrás, o diretor criativo da grife italiana Ermenegildo Zegna, Stefano Miglio, em meio a vários comentários positivos sobre o Brasil. O espanto de quem mora aqui não é menor. Se a refeição incluir vinho, então, os preços chegam às alturas.

Mas basta tocar no assunto “preços” para certos donos de restaurantes e importadores de vinhos, sempre ávidos por aparecer na mídia, optarem pelo silêncio. No caso dos negociantes de vinho, as desculpas são variadas: da clássica falta de disponibilidade à sincera afirmação de que “não há interesse em falar” para não se indisporem com os restaurantes, “que são superparceiros”. Já do ponto de vista dos empresários da restauração e dos chefs há diferentes reações diante das queixas dos consumidores.

Recém-chegado de Nova York e Chicago, o economista Roberto Bielawski, dono da rede Ráscal, diz que ao comparar restaurantes semelhantes ao seu nas duas cidades encontrou preços parecidos. Entre US$ 40 e US$ 50 por pessoa, o que equivale aos preços de São Paulo e Rio, onde o bufê custa R$ 58, vai a R$ 70 acrescido de café ou a R$ 100, com sobremesa. “Meu custo de matéria-prima é mais alto do que lá, os impostos mais elevados e o gasto com mão de obra quase o mesmo”, explica. “O pessoal comenta o preço do cardápio, mas não olha o preço final. Qualquer restaurante nos EUA tem um serviço de 15% a 20% obrigatório, mais as taxas.”

Na visão de Bielawski, que está para abrir o 11º Ráscal no Shopping JK, comer fora custa caro em qualquer lugar do mundo. E a percepção das pessoas é sempre obtida pela comparação. O que mudou, então, para que o brasileiro sinta que aqui tudo é mais caro do que era? O câmbio. “Em 2002, o dólar chegou a R$ 3,80 – quase R$ 4. Com o dólar baixo dos últimos anos, tudo ficou mais caro no Brasil comparado com lá fora. O brasileiro vive outra realidade. Dez anos atrás, todo mundo viajava com o dinheiro contadinho.”

Yann Corderon, dono e chef do restaurante L’amitié: estratégia para manter preços mais baixos passa pela troca de fornecedores e por menos pessoal
Algum outro comparativo pode ser usado além do dólar? O que o empresário diz é que sua margem de rentabilidade caiu comparada com anos atrás. Não só a dele. A rentabilidade dos restaurantes no Brasil é menor hoje do que dez anos atrás, garante. Nesse período a competição aumentou, surgiram pessoas muito qualificadas, o negócio virou mais profissional e sem espaço para amadores.

“Há dez anos estávamos no paraíso comparado com o momento atual”, confirma o diretor jurídico da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), Percival Maricato, que há 20 anos tem negócios no ramo e advoga para mais de cem clientes da área. “Fala-se que o Brasil está se desburocratizando. Isso é uma piada. Há dez anos a burocracia era um décimo! Hoje você precisa ter um funcionário só para preencher papéis para órgãos do governo. Há mais de 30 órgãos fiscalizadores. E um pequeno empresário não tem como fazer face aos custos decorrentes de todas essas exigências”. O advogado lembra, ainda, dos cartões de crédito e vale refeições que consomem parcela do lucro dos proprietários.

Fora as queixas habituais da carga tributária, como o Brasil cresceu, os salários do setor aumentaram. E a restauração é uma atividade que exige muita mão de obra, dizem os empresários. Alguns afirmam que a mão de obra brasileira é muito boa, mas pouco eficiente. Há pouco equipamento e pouco treinamento. Os equipamentos importados, que garantem produtividade maior, são caros e uma parcela ínfima dos restaurantes pode pagar por eles.

“Os clientes não sabem que não é só o preço da comida que interfere no preço do prato”, justifica Renata Braune, do Chef Rouge. “Apenas 25% do preço se refere ao preço do alimento. Depois temos taxa de água, lixo, lavanderia, aluguel, encargos, salários”. Ela informa, também, que há uma grave crise de mão de obra no setor, pois muitos ajudantes de cozinha preferem ir para a construção civil ganhar mais.

Outro aspecto para o qual ela chama atenção é a imagem glamourizada que se construiu em torno do chef de cozinha e do dono de restaurante. “O pessoal pensa que todo o mundo é rico, mas está cheio de dono de restaurante que vive de imagem e que está quebrado. Nosso mundo é meio artificial, as pessoas têm acesso a altos eventos, viagens, mas não pagam por isso. Como disse o Laurent [Suaudeau], há poucos Ronaldinhos no mundo das caçarolas.”

Abrir mão de ingredientes caros é uma estratégia adotada por donos de restaurantes para manter cardápios com preços mais assimiláveis. “Não pago, me recuso a pagar”, responde a certos fornecedores o dono e chef do L’amitié, o francês Yann Corderon. Nessa composição, ele substitui o robalo por pescada branca, corta o camarão e está sempre em busca de promoções de carne e verduras da estação. Assim, consegue oferecer um menu executivo de almoço por R$ 34, que inclui entrada, duas opções de prato e sobremesa. “No início eu ficava muito ofendido com os fornecedores”, conta com seu sotaque francês. “Achava que os preços mudavam de um dia para o outro só para mim, porque eu era estrangeiro. Depois percebi que não”. Mas para conseguir trabalhar com preços mais baixos, ele abdica de algumas regalias: “Sou chef, sub-chef e gerente e tenho uma margem de lucro menor”.

Atrair clientes com um cardápio fechado mais em conta também foi a solução adotada por Daniela Amendola e Marcio Silva, donos do Oryza. Desse desafio nasceu o Menu 45, disponível no almoço e jantar. Daniela, que veio do mercado financeiro, acha que no Brasil tudo está caro mesmo, não apenas a comida. A conta que faz é entre o preço dos restaurantes e o poder aquisitivo da população. “Nessa comparação, São Paulo está mais cara do que Paris e Nova York.”

Segundo ela, oferecer um menu a R$ 45 deriva da escolha de ter uma comida um pouco mais sofisticada – “nada de alta gastronomia” – num restaurante cujo entorno é relativamente simples. “Não temos a mesma quantidade de garçons dos restaurantes mais caros nem um grande investimento em louças. Em compensação, queremos ser conhecidos por oferecer uma comida melhor do que os lugares de mesmo preço.”
Fonte:Valor

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