Destino natural do investidor conservador de alta renda, os fundos DI reservados ao público VIP de repente se veem obrigados a disputar espaço com um formato de aplicação tradicionalmente mais singelo: a caderneta de poupança. Com os cortes seguidos da taxa de juros (Selic) de agosto do ano passado para cá, até mesmo os fundos dos segmentos “premium” dos bancos – que, em geral, cobram taxas de administração menores que as vistas no varejo – serão obrigados a reduzir seus custos se quiserem bater a “a nova poupança”.
A Selic em 8,5% ao ano impõe um limite à taxa cobrada pelos fundos. Se ela for maior do que 1%, é melhor ficar com a poupança, apesar das mudanças do governo que reduziram a remuneração da caderneta, aponta Marcelo d’Agosto, do blog “O Consultor Financeiro”, do portal do Valor. (veja contexto ao lado). O problema é que, mesmo no universo VIP dos grandes bancos, ter acesso a fundos DI com taxa inferior a 1% demanda uma aplicação inicial elevada, em geral por volta de R$ 30 mil. Ou seja, é preciso desembolsar uma bolada de uma só vez para ter acesso a um retorno superior ao da caderneta.
Entre 17 fundos DI levantados pelo Valor disponíveis para o cliente de alta renda (sem contar os classificados como DI crédito privado), sete perdem para a “nova poupança”, pois têm taxa de administração superior a 1%. No admirável mundo novo da Selic mais baixa, ser Personnalité, Estilo, Prime ou Van Gogh – marcas dos segmentos de alta renda dos grandes bancos brasileiros – já não garante automaticamente ganhos fartos em aplicações de baixo risco.
As regras para fazer parte do segmento de alta renda variam de um banco para outro. De forma geral, uma exigência básica é que os clientes tenham renda superior a R$ 7 mil. Há, entretanto, pelo menos uma opção no cardápio de fundos DI oferecidos a esses investidores por Itaú, Banco do Brasil, Bradesco e Santander que está longe de ser prato sofisticado, já que perde até para a “nova poupança” em aplicações de seis meses a um ano. Apenas no HSBC Premier as duas opções de DI oferecidas ao investidor têm taxa inferior a 1%. A aplicação inicial nesses fundos, entretanto, é das mais salgadas: R$ 100 mil ou R$ 200 mil.
Para quem não tem tão alto cacife, d’Agosto indica a caderneta, ao menos para o período de acumulação de recursos. “Se não precisa de liquidez diária, melhor ir para a poupança”, afirma, lembrando que na caderneta é preciso aguardar o chamado aniversário, quando a aplicação completa um mês, para obter o retorno.
O limite de 1%, que resulta do cálculo feito por d’Agosto, vale para a Selic atual, de 8,5%, e pende a favor da poupança à medida que a taxa cair ainda mais, o que provavelmente deve ocorrer, pelo menos segundo a interpretação do mercado para os mais recentes comunicados do Banco Central (BC).
Para ter acesso aos fundos DI que ganham da caderneta é preciso desembolsar uma bolada de uma só vez
O matemático José Dutra Sobrinho, vice-presidente da Ordem dos Economistas do Brasil (OEB), confirma o cálculo. “Se o fundo cobrar mais de 1% de taxa perde para a poupança”, diz. Para Dutra, se a mudança nas regras da poupança tinha o objetivo de evitar a fuga de investimentos para a caderneta, o percentual da Selic que define o rendimento deveria ser menor do que 70%. “Colocaram uma camisa de força nos bancos”, diz o professor, ressaltando que as instituições precisam baixar as taxas para que os fundos se mantenham atraentes. “Muita gente está perdendo aplicando em fundo de investimento e não sabe disso”, completa.
Rafael Paschoarelli, professor de Finanças da Universidade de São Paulo (USP), calcula o que vai acontecer quando a Selic cair a 8%, o que pode ocorrer na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em 11 de julho. Ele estima um IR menor, de 17,5%, cobrado para aplicações entre um e dois anos. O resultado é similar – a taxa de administração deverá ser menor do que 1,14%. O corte nas taxas de administração, para Paschoarelli, depende de correntistas mais críticos. “Eles [os bancos] cobram isso porque o cliente aceita. A demanda não é muito elástica quando se altera a taxa de administração”.
Os fundos DI registraram uma expressiva saída líquida em maio, de R$ 6,74 bilhões. Por outro lado, os depósitos feitos na poupança superaram os saques em R$ 6,26 bilhões no mês. Não é possível, entretanto, segundo o educador financeiro Mauro Calil, concluir que o investidor está mais atento às taxas. “Tudo ainda é muito recente”, diz o professor. Até mesmo porque a própria queda da Selic ajuda a entender a fuga dos DI.
Segundo Aquiles Mosca, estrategista de investimentos pessoais da gestora do Santander, não se vê até agora sinal de migração dos fundos DI VIPs rumo à poupança, apesar da mudança na rentabilidade da caderneta. Ele argumenta que os fundos dos segmentos de alta renda já estão muito mais acessíveis do que há três ou quatro anos. Fundos DI com taxa de administração de 1%, hoje com aplicações mínimas por volta de R$ 20 ou R$ 30 mil, há três ou quatro anos, ressalta Aquiles, aceitavam apenas aportes inicial por volta de R$ 300 mil. “Já houve uma ‘popularização’ dos fundos dentro desse varejo de alta renda nos últimos anos”, afirma Mosca.
Tampouco a aplicação mínima de R$ 30 mil representaria uma barreira ao investidor. O cliente dos segmentos de alta renda não tem por hábito, segundo Aquiles, realizar aportes regulares e periódicos nos fundos. É um investidor que aplica geralmente um valor elevado, fruto da venda de um carro ou um imóvel, por exemplo, de uma única vez. Ou seja, conseguiria, em geral, um fundo com taxa até 1%.
Esse comportamento é o oposto do que se vê no varejo tradicional, em que os investidores, em geral, tem um perfil mais disciplinado, com aplicações recorrentes de pequenos valores. Para esse aplicador, diz Aquiles, a aplicação inicial mais elevada representaria realmente uma barreira ao acesso a fundos competitivos.
Além disso, ele afirma que no Van Gogh, o segmento de varejo de alta renda do Santander, 70% das pessoas físicas deixam o dinheiro ‘parado’ no fundo por mais de dois anos e, assim, arcam com a menor alíquota de IR (15%) no saque. “Isso dá um diferencial de rentabilidade interessante em relação à poupança”, afirma o estrategista.
Para alíquota de 15%, os cálculos de d’Agosto mostram que o fundo DI só ganha da poupança à Selic atual se a taxa for menor do que 1,5%. Procurados pelo Valor, Bradesco, Itaú, HSBC e Banco do Brasil confirmaram os dados sobre fundos levantados pelo Valor, mas não concederam entrevista sobre o tema.
Com essa reviravolta causada pelos juros menores, ou o investidor conservador de alta renda se torna realmente mais sofisticado e busca alternativas aos fundos, como aplicações em títulos públicos pelo Tesouro Direto, ou cede aos encantos da poupança, agora em traje de gala.
Fonte:Valor