Vender só um tipo de produto pode fazer sucesso no universo dos brigadeiros e “cupcakes”. Mas no mundo financeiro a superespecialização parece fazer cada vez menos sentido. Até mesmo corretoras tradicionalmente dedicadas apenas ao mercado de ações começam a diversificar as ofertas para o investidor. Este ano, pelo menos três adotaram a estratégia de começar a oferecer fundos de investimento em suas prateleiras. É o caso da Magliano Corretora, da Alpes e da Octo Investimentos. Outras quatro decidiram agregar uma nova forma de distribuição dos produtos e investiram em plataformas on-line, como Gradual, Coinvalores, Alpes e Octo.

Entre as nove corretoras procuradas pelo Valor que já haviam diversificado seu cardápio de investimentos, o que se vê é um aumento regular no número de produtos e de gestores disponíveis. Na XP Investimentos, por exemplo, o objetivo é adicionar novas opções à prateleira regularmente.

A metamorfose das corretoras, de lojas de um único produto para empórios sortidos, ocorre por alguns motivos. Um deles é o menor apetite do investidor individual diante do desempenho da bolsa. Desde 2010, quando o Índice Bovespa (Ibovespa) subiu apenas 1%, o mercado de ações não agrada. No ano passado, o Ibovespa caiu 18,1%. Neste ano, até 27 de agosto, sobe meros 2,39%, em clima de alta instabilidade. Nos últimos anos, a BM&FBovespa viu a participação das pessoas físicas no volume financeiro negociado despencar de 33,8%, no melhor momento, no início de 2009, para menos de 20% este ano, até agosto.

“A receita das corretoras caiu muito, dada a redução do apetite do investidor pelas ações. As sobreviventes devem se tornar espécies de lojas de conveniência, nas quais o investidor encontrará tudo o que precisa”, afirma Ricardo Torres, professor de finanças da BBS.

Além da queda na receita, as corretoras sofreram com o aumento dos custos para operar. Na Magliano Corretora, a redução do lucro chegou a 40%. “Nos últimos anos, todas as corretoras viram o aumento de, aproximadamente, 30% nos custos afetarem os resultados financeiros. Com a oferta dos fundos, acreditamos que vamos conseguir atingir a rentabilidade que tínhamos em 2007”, afirma Raymundo Magliano Neto, que sucedeu o pai Raymundo Magliano Filho, ex-presidente da bolsa, na gestão da empresa.

A corretora, fundada em 1927 e tradicional no mercado de ações, lançou três fundos multimercados neste ano, desenhados em parceria com as gestoras de recursos Mauá, LFI Investimentos e Legan. Até então, a corretora possuía dois fundos: um de ações, “para o investidor que não queria criar uma carteira própria”, e um de renda fixa, “que tinha o objetivo de ser um fundo-caixa”. O projeto prevê a oferta de um total de dez fundos até o fim do ano que vem.

Quem se beneficia dessa reinvenção das corretoras é o investidor, avalia Torres, da BBS. Para criar fundos de fundos ou mesmo distribuir carteiras e títulos privados de terceiros, as corretoras realizam uma triagem do que há no mercado considerando o perfil dos seus clientes. “Dessa forma, oferecem opções de diferentes gestores, enquanto o banco vende apenas os seus produtos para o cliente de varejo”, avalia ele.

Instituições se reinventam para tentar recuperar receita perdida com a diminuição dos negócios com ações

O diretor-geral da SLW Corretora, Antonio Milano Neto, defende que a principal vantagem para o investidor está no fato de não ter de se relacionar com dezenas de instituições financeiras em busca das melhores oportunidades. “Em um só lugar, ele consegue fazer comparações e investir em fundos e títulos de diferentes lugares sem precisar entrar em contato com todas essas empresas”, afirma Milano Neto.

Ele diz que outra vantagem para o cliente é o conforto de saber que a corretora analisou e endossou as opções que estão na prateleira. São avaliados diversos aspectos dos produtos dos parceiros, como consistência do desempenho, risco e rentabilidade, e a competência do gestor ou do emissor.

Na Gradual Investimentos, a escolha dos fundos também passa pelo crivo de uma série de critérios. “O melhor gestor não é apenas aquele que obteve a melhor rentabilidade em 12 meses, mas o que possui histórico mais consistente de retornos aos clientes”, afirma a presidente, Fernanda de Lima.

Há mais de cinco anos, a corretora oferece fundos estruturados, imobiliários, fundos de investimento em participações (FIPs) e de direitos creditórios (FDICs) a investidores qualificados. Os portfólios abertos do tipo DI, de renda fixa e de ações começaram a ser distribuídos ao varejo em 2011, explica Fernanda. O objetivo foi diversificar a origem da receita e fomentar o relacionamento com os clientes. Nos últimos cinco anos, a participação da distribuição de fundos na receita da corretora subiu de 5% para 20%.

Na Alpes, o objetivo é chegar a 12 fundos de investimentos ainda neste ano. A meta é ambiciosa, já que a corretora começou apenas neste mês a incluir fundos em sua prateleira. Até agora, há oito geridos por terceiros. Em setembro, um fundo próprio se somará ao portfólio. “Quisemos ter uma opção para o cliente diversificar o portfólio sem tirar o dinheiro daqui”, diz a diretora de operações, Mariana Borges.

Ainda sem distribuir os fundos pela internet – a plataforma deve ficar pronta em três meses – Mariana já sentiu a demanda por parte de investidores que, embora procurem a corretora, não têm interesse em aplicar em ações. “Nos surpreendemos com a procura de clientes que só querem investir em fundos mesmo”, afirma. Para ela, o investidor começa a perceber mais vantagens em administrar seus recursos nas corretoras: as taxas de administração menores que as oferecidas pelos bancos no varejo e a praticidade na hora de investir.

Para movimentar os recursos de um fundo para outro ou de uma carteira de ações para um fundo, não é preciso emitir cheque ou realizar transferências eletrônicas. Basta dar uma ordem que os recursos caem na conta do cliente na corretora e são direcionados para a nova aplicação. Mais uma conveniência do modelo “one stop shop” das corretoras.

Priscila Vargas, gestora comercial da Planner Prosper, afirma que distribuir fundos traz novas possibilidades aos corretores, que não precisam apenas oferecer ações em busca de comissões e taxas de corretagem. Eles passam, por exemplo, a ter dentro de casa alternativas de aplicação para os investidores que procuram a corretora, mas não desejam propriamente entrar no mercado acionário.

O Rico.com, home broker da Octo Investimentos, começará a divulgação de um fundo de ações lançado há três meses. A ideia é oferecer aplicações e resgates pela internet, explica Renato Breia, responsável pela área comercial de fundos. “Seguindo o conceito de ‘shopping financeiro’, é importante as corretoras adaptarem a distribuição dos fundos às suas plataformas”, afirma.

Com o fundo próprio, a corretora pretende atingir o investidor de varejo, com uma aplicação mínima de R$ 1 mil e movimentação mínima de R$ 200. “Pretendemos chegar àqueles clientes que visam a fazer poupança no longo prazo e não têm tempo de se dedicar à administração das aplicações ou se sentem inseguros”, explica Breia. Em breve, a corretora passará a distribuir mais fundos próprios, entre eles um focado em ações de dividendos.

Fonte: Valor

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