Instigados com a dúvida que há tempos saiu dos meios especializados e frequenta cada vez mais mesas de bar e almoços de domingo, pesquisadores do Centro de Macroeconomia Aplicada da Fundação Getulio Vargas (FGV) decidiram usar modelos econométricos para responder, desta vez com maior embasamento técnico, à já recorrente pergunta: existe uma bolha imobiliária em São Paulo?

Como é comum em trabalhos acadêmicos, a resposta encontrada não é simples como um “sim” ou um “não”. Mas está mais próxima da negação do fenômeno, ao menos em seu estilo clássico.

“Embora a presença de bolha não possa ser totalmente descartada, a hipótese mais provável é que o aumento dos preços de imóveis recente deve ter sido ocasionado por fatores normais ligados a excesso de demanda por imóveis”, escrevem os pesquisadores Emerson Fernandes Marçal, Paulo Gala e Rogério Mori, da Escola de Economia de São Paulo da FGV.

Entre esses fatores eles citam o aumento da renda das famílias, a melhoria das condições de crédito e também a queda dos juros, que teria atraído investidores para esse mercado. “Como a oferta no setor não responde prontamente por conta do tempo necessário para viabilizar novos empreendimentos, o resultado foi um aumento de preços.”

A equipe fez o estudo tendo como base um teste desenvolvido pelo econometrista americano Peter Phillips e por seus colegas. Esse mesmo sistema foi usado por Phillips para datar as bolhas durante a crise de crédito subprime nos Estados Unidos.

O que os pesquisadores do Cemap querem dizer com a conclusão é que, mesmo que uma bolha esteja em processo de formação ou até mesmo já exista em São Paulo, ela não pode ser comprovada tecnicamente com os dados disponíveis hoje. “Pode até ser que tenha [bolha], mas não dá para bater o pé dizendo que tem”, diz Emerson Marçal, que liderou o estudo.

Para realizar a pesquisa, eles levaram em conta a definição clássica de bolha, que eles descrevem como “um contínuo e forte aumento dos preços dos ativos sem base, seguido de um intenso e abrupto ajuste em direção aos fundamentos”.

Isso significa que se os preços ficarem estáveis ou mesmo caírem em termos reais de forma lenta por um período daqui em diante (ou seja, se não despencarem), eles entendem que não é possível dizer que o processo anterior teria sido de uma bolha.

Para verificar a existência da alta explosiva do valor dos imóveis, os pesquisadores usaram como base uma série histórica de preços fornecida pelo Secovi-SP (sindicato que reúne a incorporadoras), que tem início em 2001.

Em seguida, deflacionaram as variações por diversos índices, como IPCA, INCC-DI, variação do aluguel no IPCA, renda do trabalhador e combinação de aluguel em São Paulo com Certificado de Depósito Interbancário (CDI, usado como principal referencial para aplicações atreladas a juros). Depois, aplicaram o teste desenvolvido por Phillips em médias móveis de 48 meses.

Quando os deflatores usados são índices de preços e também a variação do aluguel em São Paulo, os testes indicam, sim, a existência de um comportamento semelhante ao de uma bolha, com grau de probabilidade de 99%. Por esse critério, o processo teria começado em meados de 2010 e ainda não teria terminado.

No entanto, quando a deflação é feita pela variação da renda e principalmente quando considera não apenas a alta dos aluguéis, como também o CDI, não existe evidência do fenômeno.

Na avaliação dos pesquisadores, esses duas últimas métricas são mais adequadas para a comparação com o preço de casas e apartamentos. “O fato de o imóvel subir mais rápido que inflação não quer dizer muita coisa”, diz Marçal.

O pesquisador foi questionado sobre o fato de o preço dos imóveis ter subido 158% acima da renda nominal do trabalhador no período analisado e se isso não seria suficiente para caracterizar um comportamento descolado da realidade. Ele argumenta que o teste identifica a existência de bolhas quando as elevações ocorrem de forma rápida e contínua. E diz que, quando se observa o gráfico do preço dos imóveis deflacionado pela variação da renda, há momentos de estabilização e queda na curva.

Marçal foi questionado ainda sobre a magnitude da alta dos preços em termos reais, já que o estouro das bolhas de imóveis nos EUA e no Reino Unido ocorreu depois de altas próximas de 80% acima da inflação, o que é uma alta inferior ao verificado nos últimos anos em São Paulo.

Sobre esse ponto, o pesquisador do Cemap chama atenção para o processo de redução estrutural da taxa básica de juros no Brasil, o que atraiu investidores para o mercado imobiliário, e pode ser um dos principais fatores responsáveis pelo forte movimento de alta dos imóveis. “O custo de oportunidade mudou completamente”, afirma.

Em uma explicação simplificada, a queda contínua e acentuada da razão entre aluguel e preço do imóvel poderia justificar um ajuste para baixo no preço dos apartamentos em algum momento do futuro, à medida que existe um limite de tolerância do dono de uma casa ou apartamento em relação à remuneração do seu investimento (ou da alternativa de vender o imóvel e virar inquilino).

Mas como isso ocorre em conjunto com a queda dos juros, a rentabilidade alternativa para o proprietário também diminui, o que lhe deixa menos propenso a se desfazer do bem para investir no mercado financeiro. Ou seja, se há dois anos um aluguel de 0,5% do imóvel era muito baixo, hoje essa taxa é competitiva ante a renda fixa.

Assim, uma alta real de 80% nos preços de imóveis em países que possuem juros baixos há muitos anos seria mais preocupante do que uma variação semelhante ocorrendo no Brasil, durante um processo de forte redução dos juros reais.

Para Marçal, todos sabiam que, quando houvesse uma forte redução da taxa de juros, os preços dos imóveis iam subir. “O que a gente não sabe é quanto, porque não temos dados históricos de longo prazo”, afirma o pesquisador, lembrando no que nos Estados Unidos existe uma base de cem anos.

Fonte: Valor

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