Apesar de a legislação que permitiu a criação de fundos de investimentos para aplicar 100% dos recursos no exterior datar de 2008, só recentemente – com queda maior dos juros e retornos frustrantes dos demais ativos locais – os investidores perceberam o valor da diversificação para além do mercado brasileiro. O aumento da demanda por aplicações em ativos internacionais tem levado gestores de fundos, independentes e ligados a bancos, inclusive estrangeiros, a ampliar a oferta de produtos. Entre eles, destaque para HSBC, que acaba de lançar duas carteiras, Santander e BB DTVM, além da independente Fram Capital, com fundos saindo do forno neste segundo semestre.
Por determinação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) esses fundos são acessíveis apenas aos investidores que têm aplicação mínima inicial disponível de R$ 1 milhão. Os multimercados tradicionais podem aplicar até 20% dos recursos no exterior. Nos fundos de ações, o limite é 10%. As carteiras que aplicam 100% fora são diferenciadas com o termo “investimento no exterior” no nome. Não é necessário abrir conta fora ou fazer remessa de recursos. Os fundos é que vão aplicar o dinheiro do investidor local em ativos diretamente ou carteiras estabelecidas no exterior.
“Com a desaceleração da economia local, os investidores passaram a prestar mais atenção ao risco de concentrar as aplicações em um único país”, afirma Alexandre Gartner, diretor de investimentos do private banking do HSBC. Afinal, o investidor já não conta mais com a renda fixa dos altos retornos e liquidez diária, ressalta Gabriel Porzecanksi, diretor de private banking do HSBC. O juro real, lembra o executivo, saiu de 20% em 2004 para algo próximo de 2% neste ano – hoje está um pouco acima desse nível (em cerca de 3,5%). “O momento é propício para fazer diversificação de verdade, buscar proteção.”
As regras determinam que essas carteiras só estejam disponíveis para aqueles que possuem pelo menos R$ 1 milhão para aplicação
O HSBC acaba de lançar dois fundos para investimento no exterior para clientes do private banking. O Global Balanced vai aplicar até 60% dos recursos na renda fixa, sendo 30% em ativos de países desenvolvidos, com maior exposição em dólar, euro e iene, e outros 30% em emergentes, com destaque para América Latina e Leste Europeu. Os outros 40% serão direcionados para a renda variável, dos quais 25% para países desenvolvidos (o referencial é o índice MSCI World), até 11% para emergentes, com foco em países do Brics e Coreia, além de 5% para “frontier markets” (países em estágio pré-emergente).
Já o Global Dynamic vai investir até 20% em renda fixa, divididos igualmente entre desenvolvidos e emergentes, e 80% em ações, com destaque para desenvolvidos, com peso de 50%. A taxa máxima de administração é de 1,95% ao ano, as movimentações poderão ser feitas uma vez por semana e os resgates, realizados em dez dias úteis. A tributação é de longo prazo.
Ainda que os investidores brasileiros só tenham se dado conta agora, ter um portfólio diversificado é importante em qualquer cenário, destacam os especialistas. No HSBC, diz Porzecanksi, a recomendação é recorrer a essas carteiras para uma alocação estratégica de médio e longo prazo, e não tática, como forma de se proteger da desvalorização do real. “Historicamente, o que explica o retorno de uma carteira é a alocação entre as várias classes de ativos, a diversificação, e não o timing”, explica.
A gestora do Santander também pretende lançar até setembro um fundo que aplica a totalidade dos recursos em ações estrangeiras, o que deverá incluir ativos nos Estados Unidos, Europa e em países emergentes. O escritório londrino do banco fará a alocação dos recursos em gestores internacionais.
“A busca por alternativas de diversificação, que no passado quase não era necessária para o investidor local, passou a ser importante”, diz Eduardo Castro, superintendente-executivo de investimentos da gestora do Santander. E isso deve continuar, considera, ainda que a taxa de juros brasileira tenha entrado em um ciclo de alta, já que a expectativa é que se estabeleça em um patamar ainda baixo. O sentido de investir fora é reforçado, diz Castro, pela percepção de que a correlação do Ibovespa com o desempenho das bolsas estrangeiras diminuiu nos últimos anos.
Dentre as independentes, a Fram Capital quer criar uma carteira que investe 100% no exterior até o fim do ano. A casa começou a sentir a demanda de clientes pelo produto no fim de 2012, quando os juros brasileiros foram para um patamar menor. Luciano Sobral, gestor da Fram, considera que as perspectivas para o câmbio tornam as carteiras que aplicam fora ainda mais atraentes. “Daqui a três anos, acredito que o dólar esteja mais perto de R$ 3”, diz.
Vale lembrar que o retorno do investimento nos fundos que aplicam no exterior é resultado da combinação da variação de preço dos ativos em carteira com a variação cambial entre o dólar e o real – equação que hoje é mais do que favorável para o investidor brasileiro que busca esses fundos não só como alternativa de diversificação para minimizar perdas mas para obter ganhos daqui para frente. Neste ano, por exemplo, enquanto o Ibovespa recuou 22,1% no primeiro semestre, o índice S&P 500, da bolsa americana, subiu 12,63%. Por se tratar de um ativo em dólar, o investidor brasileiro teve um ganho adicional de 9,25% no semestre referente à valorização da moeda americana. No total, o retorno de uma aplicação no S&P, em reais, superou os 23% no período.
Estudo da BNP Paribas Asset Management Brasil mostra que investir em ativos internacionais amplia o retorno potencial de um portfólio sem que isso signifique aumento excessivo de volatilidade. Por exemplo, quando a bolsa brasileira cai, o real se desvaloriza, o que significa que esses ativos andam em direções opostas e o investimento no exterior, em moeda americana, pode funcionar bem como diversificação.
Segundo o estudo, por conta do efeito do câmbio, a volatilidade do S&P, em reais, é menor do que em dólares e do que o índice da bolsa local. Cálculos da BNP Paribas mostram que a volatilidade do Ibovespa foi de 31,23%, em termos anualizados, no período de janeiro de 2008 a abril de 2013. Já a volatilidade do índice S&P, em dólar, ficou em 25,44% e, em reais, 21,14%, o que permite intuir que comprar bolsa americana daqui é menos arriscado do que parece.
A BNP conta com uma família de três fundos que aplicam 100% dos recursos fora, mas só neste ano sentiu que havia espaço para promover a aplicação. No mês passado, o banco reuniu cerca de 200 pessoas, entre investidores do private banking, gestores de patrimônio e representantes de fundos de pensão no seu primeiro seminário sobre investimentos no exterior.
Em geral, os fundos com 100% dos recursos fora são considerados um instrumento de diversificação do portfólio. Alexandre Gartner, do HSBC, diz que, dependendo do perfil e dos objetivos do investidor, o percentual aplicado nessas carteiras pode girar entre 5% e 30%. Somada a regra que define aplicação mínima de R$ 1 milhão, esses fundos se encaixam atualmente no portfólio de um grupo muito restrito de investidores. Seria preciso ter ao menos R$ 3,3 milhões, por exemplo, para alocar 30% em uma carteira do tipo.
Uma demanda dos gestores é que, em vez de determinar a aplicação mínima no fundo em específico, a CVM considere todo o patrimônio do investidor. Nesse caso, para ser cotista dessas carteiras bastaria ter mais de R$ 1 milhão em aplicações financeiras.
Fonte:Valor