Por Lucy Kellaway
Certa noite da semana passada, eu estava na cozinha preparando uma xícara de chá quando meu filho entrou pela porta. Desde que ele terminou o ensino fundamental no último verão e agora passa os dias trabalhando em uma lanchonete e as noites entregando pedidos em uma rede de fast-food, dificilmente consigo vê-lo.
“Como você está?”, perguntei. “Vou bem”, respondeu. “Esses empregos que você arrumou”, continuei, “já lhe ensinaram alguma coisa interessante sobre o trabalho, a vida ou qualquer coisa?” “Sim”, disse ele. “Eles me ensinaram que gosto de receber pelo meu trabalho.”
Fiz a pergunta influenciada por uma postagem no blog da “Harvard Business Review”, que afirmava que empregos humildes ensinam os jovens mais sobre o trabalho do que estágios não remunerados em uma produtora de cinema, por exemplo. O autor, que é professor em uma faculdade de direito, já foi ajudante de garçom e faxineiro. Segundo ele, essas ocupações ensinaram lições valiosas, que continuam sendo úteis.
Eu já vinha percebendo o sentido de seu argumento. *Ser pago é realmente muito bom. É uma pena que a maioria de nós se acostuma a isso a ponto de esquecer o quanto o dia de pagamento é prazeroso.
E o quê mais? Ele disse que iria pensar a respeito e depois me responderia. Afinal, não podia chegar atrasado para o turno da noite. Isso levou à segunda revelação: *Se você está ganhando sete libras por hora, precisa trabalhar mais tempo que um banqueiro de investimento para ganhar algum dinheiro.
Chegamos, desse modo, à terceira revelação: *Ganhar salário mínimo é bom quando você mora de graça, tem uma cama quentinha à sua espera, e a geladeira sempre cheia. Para os demais, é um jogo de sobrevivência e você não entende como eles conseguem.
Mais tarde naquela noite, recebi uma mensagem de texto dele dizendo que o movimento no restaurante estava fraco e poderíamos conversar. Resolvi ir até lá e encontrei o lugar totalmente vazio, exceto pelo meu filho, que estava perto do caixa. Isso levou à quarta revelação: *Ficar à toa é um saco. A pior coisa que existe. Deixa você letárgico e quando as coisas ficam mais agitadas é mais difícil entrar no ritmo.
Perguntei se ele também está aprendendo a ser profissional – descaradamente querendo influenciar sua resposta. “É lógico”, respondeu ele, chegando à lição número cinco: *É preciso ser pontual e confiável. Você não pode xingar os clientes, dar as costas para eles ou responder de maneira não educada. Se você acorda de ressaca, ainda tem que chegar ao trabalho na hora e precisa fingir que está se sentindo bem.
Ouvir suas ponderações contribuiu para eu ter minha própria percepção: *Um restaurante fast-food é um excelente aprendizado escolar final. Ele foi bem-sucedido onde 18 anos de paternidade liberal e sete anos de escolas particulares extremamente caras tiveram pouco efeito.
Mas, embora tenha aprendido a ser cortês com os clientes, ele não aprendeu a gostar disso. Na verdade, o que ele descobriu foi: *Lidar com os clientes pode ser um saco. Alguns são amigáveis, mas muitos nem olham para você. Depois de um tempo, isso deixa você irritado.
Meu filho olhou ansioso para o relógio e disse que seu chefe chegaria logo. Eu protestei: “Acho que você me disse que gostava dele!”. Ele deu de ombros. “Ele é legal. No começo chegamos a sair após o trabalho para tomar uma cerveja, mas ele decide quantas horas eu trabalho e me culpa por coisas como esquecer de encomendar cardápios novos, quando isso não é função minha. Portanto, sair para beber com ele foi estranho”. Em outras palavras, ele aprendeu a valiosa lição número oito: * Ser amigo do chefe nunca é uma boa ideia.
Antes de ir embora, disse a ele que suas lições não tinham nenhuma semelhança com as apresentadas pelo blogueiro da “Harvard Business Review”, cuja passagem por empregos humildes o ensinou grandes verdades sobre a humanidade: que a maioria das pessoas quer se orgulhar de seu trabalho, e que todos têm grandes sonhos.
O que ele pensava disso? Ele observou que é difícil ter orgulho de seu trabalho quando o restaurante vai mal e o gerente não liga para isso. Mas, mesmo com uma boa administração, algumas pessoas continuam sendo resmungonas incorrigíveis, o que o levou à lição número nove: * Trabalhar com gente que reclama demais é um saco.
Então, perguntei, o que deveria ser feito dessas pessoas? Ele me olhou como seu eu fosse uma idiota e respondeu: “Demiti-los, ora essa!”, esquecendo-se momentaneamente da lição número cinco.
Mas e seus sonhos? “É, todo mundo tem sonhos”. Temendo um pouco a resposta, perguntei quais eram os seus. Para meu alívio, ele respondeu: “Entrar na universidade e conseguir um emprego qualificado.”
Fonte: Valor