Presidentes, políticos e titãs corporativos no passado se acotovelavam para serem fotografados usando-os; operadores e altos executivos de bancos de investimento fechavam negócios com eles; e artistas de rap cantavam suas qualidades. Eles eram proibidos em alguns restaurantes chiques, mas tudo indicava, mesmo assim, que todos os executivos dormiam com eles.

Durante a maior parte dos últimos dez anos, o BlackBerry foi muito mais do que um telefone ou um aparelho de acesso sem fio ao e-mail. Ele era legal e viciava – daí seu apelido “crackberry”. Mas tudo isso antes de o iPhone da Apple de tela sensível ao toque fazer sua estreia, em 2007, e roubar o coração de uma geração.

Os BlackBerrys ainda fazem muito sucesso em alguns círculos, principalmente na geração mais jovem, desacostumada com as mensagens de texto e viciada no serviço gratuito de mensagens do Facebook, Twitter e do próprio BlackBerry que, segundo o noticiário, contribuiu para o advento da Primavera Árabe e os protestos de rua de Londres.

E, o que é igualmente importante, muitos usuários empresariais ainda dependem do serviço de e-mail sem fio do BlackBerry e de seu miniteclado, operado com o polegar, que contribuíram para definir os outrora míticos aparelhos. Mas no mundo empresarial, tanto quanto em outras esferas, as defecções estão aumentando, e muitos dos que ainda andam com um BlackBerry cedido pela empresa também portam um iPhone ou um smartphone ativado por Android para uso pessoal.

Por quase uma década, usuários eram tão viciados no aparelho que a marca ganhou apelido de ‘crackberry’

Embora o cadastro de assinantes fora da América do Norte continue a crescer, no mercado-chave dos Estados Unidos, que responde por cerca de 40% das vendas, os BlackBerrys e a Research In Motion (RIM), a empresa canadense que os fabrica, enfrentam problemas.

Segundo novos dados divulgados esta semana pela empresa de pesquisa de mercado ComScore, a participação da RIM no mercado americano de smartphones caiu 4,5 pontos percentuais, para 17,2%, no período de três meses encerrado em outubro. A empresa de pesquisas Gartner estima que a fatia da RIM no mercado mundial de smartphones recuou para 11% no terceiro trimestre em relação aos 15,4% do mesmo período do ano passado.

Por seu lado, os investidores viram os papéis da RIM cair dos mais de US$ 70 por ação em março para menos de US$ 18 por ação na semana passada, quando uma sucessão de deslizes de gestão, de atrasos de produtos e de correções da estimativa de lucros cobraram seu preço.

Ainda na semana passada, a RIM anunciou que estava dando baixa contábil em US$ 485 milhões antes dos impostos, correspondentes ao valor de tablets BlackBerry PlayBook não comercializados. Segundo declarou a direção da empresa, essa perda significaria que ela descumprirá suas já reduzidas metas de lucros para o ano fiscal de 2012. A RIM já foi obrigada a baixar o preço do PlayBook, outrora alardeado como o assassino do iPad, de US$ 499 para US$ 199, nas últimas semanas.

A baixa contábil relativa aos estoques é o mais recente contratempo de uma série que a RIM vem experimentando. A companhia tem enfrentado crescente concorrência de empresas como a Apple e outros fabricantes de smartphones e tablets baseados no software Android, do Google. Com isso, tem sofrido dificuldades para atualizar seu próprio e envelhecido elenco de produtos.

Além dos encargos relacionados com o PlayBook, a RIM também anunciou uma despesa de US$ 50 milhões deduzidas de suas receitas para cobrir o apagão generalizado em sua rede, no início do outono (no Hemisfério Norte), que deixou milhões de usuários de BlackBerry sem acesso à rede do smartphone durante dias.

Esse fiasco e outros tropeços, entre eles sua reação retardada ao iPhone e contínuos atrasos no lançamento de produtos de próxima geração baseados em um novo sistema operacional, fizeram com que alguns analistas advertissem para o fato de que a administração da RIM perdeu contato com sua base de usuários e credibilidade junto aos investidores.

Um pequeno grupo de acionistas dissidentes já exortou os executivos da RIM a considerar todas as opções para maximizar valor para os acionistas, inclusive, possivelmente, a venda de seu portfólio de patentes ou uma venda pura e simples da companhia. Outros insistiram em que a dupla de executivos-chefes da empresa, Mike Lazaridis e Jim Balsillie, abram caminho para uma nova equipe de gestão, mas até agora reuniram escasso apoio.

Analistas destacam que muitos dos problemas da RIM decorrem de uma transição difícil que a empresa está tentando realizar, de produtos com base em seu antigo sistema operacional BlackBerry para o mais novo, apelidado BBX, cujos aparelhos deverão aparecer no primeiro semestre do próximo ano.

Nesse meio tempo, a RIM está apostando em um pequeno número de aparelhos baseados em seu mais recente sistema operacional, o BlackBerry 7, e em aquecidas vendas para mercados em desenvolvimento, a fim de ajudar a companhia a atravessar os próximos trimestres.

Os administradores da RIM insistem em que não estão dispostos a desistir e que não permitirão que a empresa se torne uma exploradora de nicho num mercado em rápida expansão. Ao contrário, como prova de que a empresa está determinada a manter-se relevante, eles e defensores da RIM indicam iniciativas como o anúncio de um novo software, no início de dezembro, que tornará mais fácil, para departamentos de TI de empresas, gerenciar dispositivos BlackBerry que operem paralelamente com aparelhos concorrentes.

Conforme disse Mike Abramsky, da equipe de mercado de capitais do Royal Bank of Canada, há poucos dias, uma recuperação na capitalização de mercado da RIM depende de “maior competitividade, ecossistema e aceitação dos aparelhos BBX vindouros; melhoria de marketing e execução de lançamento; restauração da credibilidade e visibilidade dos investidores; [e] melhor governança”. Fonte:Valor

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