O consumidor que nos últimos meses voltou a sentir a mão pesada da inflação e chega ao fim do mês com menos dinheiro no bolso, anda assustado com os preços cobrados nos restaurantes. Estes, por sua vez, enfrentam custos crescentes – de alimentos, bebidas, aluguel e mão de obra – e na ponta do lápis registram queda no faturamento e margem de lucro menor. Investimentos estão sendo adiados; novas contratações foram suspensas e demissões começam a ser discutidas.
A queda no faturamento do primeiro semestre – agravada pelas manifestações das ruas em junho e, antes disso, pelos “arrastões” e a lei seca – é estimada em mais de 10%. E a margem de lucro, que há quatro anos estava entre 12,5% e 15%, agora oscila entre 8% e 9% – isso, em uma operação bem administrada, diz Cristiano Melles, presidente da Associação Nacional dos Restaurantes (ANR), que reúne grandes redes como McDonald’s, Bob’s, Pizza Hut, Giraffas, Outback e Rei do Mate.
“É um momento delicado para o país, de baixo crescimento, e nosso setor vem sentindo grande dificuldade”, diz Juscelino Pereira, dono do Piselli e sócio dos restaurantes Maremonti e La Cocotte e do Zegna Café, em São Paulo.
Há 15 anos no setor, Juscelino, como é chamado pelos clientes, diz que “esta é a crise mais séria” que enfrentou em seus quase 10 anos como empresário. Ele e seus sócios empregam cerca de 400 pessoas. E é com tristeza que reconhecem a necessidade de fazer demissões. “Precisamos enxugar de alguma maneira. Se perdemos receita, não podemos manter a mesma estrutura de custo”, diz Juscelino, que ainda avalia o tamanho do corte a ser feito.
Este quadro mais sombrio também é observado por outras fontes do setor, cujo faturamento anual é estimado em R$ 65 bilhões, o que representa 1,45% do Produto Interno Bruto (PIB). Se for considerada toda a cadeia, incluindo o atacado que abastece bares e restaurantes, esse mercado é estimado em R$ 182 bilhões, ou 4,06% do PIB. Trabalhadores com carteira assinada somam cerca de 6 milhões (sendo 20% no Estado de São Paulo), ou 8% da força de trabalho brasileira.
Melles, presidente da ANR e sócio da rede de churrascarias Pobre Juan, observa que os preços nos cardápios têm gerado muitas reclamações de consumidores. “Escola de criança, plano de saúde, gasolina, supermercado… Esses gastos não dá para cortar. Com o aumento da inflação, a renda disponível ficou menor e o restaurante virou o vilão da história”, diz.
Assim como o brasileiro sente preços mais salgados em diversos produtos e serviços, os donos de restaurantes também enfrentam aumentos expressivos em seus custos. Nos últimos 12 meses, a alimentação fora do lar mostra um aumento de 11,18% – abaixo da variação mostrada pelo setor de alimentos e bebidas, que sobe 12,80%. Estes dois itens equivalem a cerca de 35% do faturamento de um restaurante.
O custo de ocupação, que inclui gastos de aluguel, condomínio, IPTU e verba promocional (em shoppings), subiu 90% nos últimos quatro anos, diz Melles. “O custo de ocupação deveria equivaler a 5% do faturamento, agora chega a 10%”, diz, lembrando que há ainda os gastos com segurança – câmeras e pessoal para tentar inibir possíveis “arrastões”.
A folha de funcionários, que corresponde entre 22% e 25% da receita bruta de um restaurante, é outro ponto de pressão. Airton Valadão Jr, sócio fundador do restaurante Praça São Lourenço e da cantina italiana La Grassa, emprega 130 pessoas. “Estamos enxugando a máquina. Onde trabalham cinco, podem trabalhar quatro”, diz ele, que também está trocando mão de obra própria por empresas terceirizadas. Isso já foi feito com limpeza e manutenção de máquinas e deve ser replicado na área de TI.
Há dois meses, Valadão e seus sócios decidiram fechar as portas da segunda unidade do Praça São Lourenço. O restaurante de 815 metros quadrados, com capacidade para atender 250 pessoas, funcionou por dois anos no Shopping Iguatemi de Alphaville, a 30 km do centro da cidade de São Paulo. “Não tínhamos movimento nenhum à noite. Guardamos os maquinários em um depósito e vamos aguardar”, disse.
A rede de pizzarias Maremonti, com quatro unidades, já poderia estar com duas ou três a mais, diz Juscelino Pereira. “Mas agora não dá. Estamos adiando o plano de expansão”, afirma.
O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Joaquim Saraiva de Almeida, não mostra otimismo em relação aos próximos meses: “Torcemos para que não piore, mas no momento não sentimos que haverá crescimento neste ano”. O segundo semestre corresponde a cerca de 60% do faturamento anual do setor.
“Esperamos que haja reação da economia e que venham as desonerações”, diz Melles, da ANR, que negocia com o governo federal a inclusão dos restaurantes no Plano Brasil Maior, que desonera a folha de pagamentos. A ANR também pede ao governo paulista que a alíquota de ICMS cobrada dos restaurantes seja reduzida de 3,2% para 2%. O cenário pouco animador fomenta discussões sobre um novo modelo de negócios. “Talvez caminhemos para o modelo de menos gente no salão [para atender a clientela]. E na cozinha, equipamentos cada vez mais modernos, para automatizar a operação”, diz Melles.
Fonte:Valor