É comum, em locações residenciais e até mesmo comerciais, que o locador deixe de cobrar de seu inquilino o índice de reajuste contratual, que atualmente, de acordo com a nossa legislação, pode ser aplicado ano a ano.

Nessas situações surgem diversas questões relevantes acerca das possibilidades de cobrança que restam ao locador.
Os tribunais brasileiros discutem sobre a possibilidade de cobrança retroativa dos valores devidos em razão do reajuste previsto em contrato, bem como, sobre o momento a partir do qual será possível realizar tal cobrança.

Outro ponto relevante diz respeito à forma de atualização do valor do locativo, na hipótese de o locador deixar de aplicar o índice combinado por mais de um ano, e pretender reajustar o aluguel.

Todas estas questões são objeto de discussão nos tribunais e perante a doutrina especializada. São de suma importância atualmente, considerando a alta dos locativos, especialmente no que diz respeito aos imóveis comerciais.

Segundo a jurisprudência majoritária, com a qual concordo, se o locador não cobrou o aluguel reajustado por dois ou três meses, ainda poderá fazê-lo com correção monetária, e de forma retroativa, mas não poderá exigir multa e juros, pois houve negligência de sua parte.

Nesta situação, e se nenhum documento foi firmado entre as partes com relação a este assunto, é possível argumentar que não houve acordo tácito, mas mera tolerância.

Por outro lado, se a situação persistir por mais tempo, nossos tribunais têm decidido, acertadamente, que havendo negligência do locador, ao não aplicar o índice de reajuste no mês de aniversário do contrato, subtende-se que houve um acordo tácito entre as partes ou que ele, locador, aceitou o valor do aluguel sem reajuste, por entender que estava de acordo com a realidade de mercado.
Este raciocínio é baseado na leitura do artigo 322 do Código Civil, que estabelece que “quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores” e é aceito sem maiores restrições pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (apelação nº 1.147.093-0/3, julgamento 4/02/2009).

Por outro lado, caso o período sem a atualização ultrapasse quatro ou cinco meses, o locador não poderá exigir quaisquer diferenças referentes aos valores não cobrados, podendo, sim, comunicar o seu inquilino, por escrito, que a partir daquela data o aluguel deverá ser pago, aplicando-se o último índice de reajuste estipulado contratualmente.

Questão interessante diz respeito à forma de reajuste do aluguel, caso o locador tenha deixado de atualizar o valor por mais de um aniversário do contrato.

Nestes casos, entendemos que a falta de reajuste, até o último aniversário da atualização do aluguel, não poderá refletir na próxima atualização.

Por exemplo: se um contrato foi firmado em julho de 2010 e não foi aplicado o índice de reajuste até agosto de 2012, o locador só poderá reajustar o aluguel, utilizando o índice de 2011 para 2012, tomando-se por base o valor histórico do aluguel em 2010.
Este entendimento é baseado no instituto da boa-fé objetiva, estabelecido de maneira explícita pelo Código Civil de 2002 em seu artigo 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”.

Cabe, neste ponto, fazer uma breve explicação acerca do princípio da boa-fé objetiva.

O princípio em questão pode ser utilizado de três maneiras pelos intérpretes do direito: como norma de interpretação, como fonte de direitos e deveres, e, finalmente, como um limite ao exercício de direitos.

É esta última hipótese que interessa ao assunto ora discutido. O locador possui o direito de exigir o aumento do aluguel, dentro dos parâmetros fixados no contrato, desde que aquele instrumento não infrinja disposições legais de ordem pública (que, entre outros limites, determinam que o reajuste não pode ocorrer em períodos inferiores a um ano).

Caso o locador não exerça tal prerrogativa por um período de tempo excessivo, entretanto, gerará no locatário a justa expectativa de que a situação irá perdurar. Esta modalidade de aplicação do princípio da boa-fé objetiva é denominada suppressio e é plenamente aceita pela jurisprudência (como exemplo, pode-se citar o recurso especial 953.389/SP, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em 15/03/2010).

A doutrina especializada aplica a suppressio diretamente à situação sob estudo. Gildo dos Santos, em sua obra “Locação e Despejo – Comentários à Lei 8.245/91” sintetiza a questão de maneira irretocável: “Posteriormente, num novo reajuste (hoje anual), não é possível considerar o antigo índice que não foi adotado, adicionando-o ao novo indicador (…) é que, nessa hipótese, o locador, quando deixou de proceder ao reajuste, renunciou, ainda que tacitamente, à atualização. Desse modo, somente pode fazer incidir o novo índice ao antigo aluguel, sem levar em conta, sob qualquer aspecto, o indicador que à época desprezou”.

O entendimento acima transcrito, também em minha opinião, encontra-se absolutamente correto.

Em um campo delicado como o das locações, no qual diversos interesses fundamentais colidem, o princípio da boa-fé objetiva (trazido pelo Código Civil de 2002) torna-se fundamental para regulamentar os contratos de locação e as obrigações decorrentes daqueles instrumentos.

Fonte: Valor

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