Um celular taiwanês que comporta 26 chips simultaneamente, um para cada Estado brasileiro. O produto, que na semana passada ganhou popularidade na internet, não passou de uma brincadeira de 1º abril, mas o Traveler26, como ficou conhecido o dispositivo de mentirinha, reflete um desejo de muitos consumidores: falar de qualquer parte do país pagando pouco. É essa a motivação por trás de uma estratégia – essa, sim, bem real – que as operadoras estão adotando para reduzir o custo das chamadas, principalmente as locais, e cativar clientes: os clubes de usuários.
Todas as grandes teles – Vivo, Claro, TIM e Oi -, já criaram seus clubes. A novidade cresceu aos poucos, na base da propaganda boca a boca, incentivada pelas operadoras. No ano passado, de cada dez ligações feitas no país, oito eram dentro da rede de uma mesma operadora, segundo o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), João Rezende, que tomou precauções para evitar a formação de oligopólios.
O conceito de clube existe no mercado internacional e foi criado para conquistar a fidelidade dos clientes. Adaptado para o Brasil, recebeu uma forte abordagem de marketing. As teles tentam fazer com que grupos de usuários façam ligações dentro de sua rede. Em troca, acenam com descontos maiores. É possível, lógico, fazer chamadas para números de outras teles. Essas tarifas também vêm caindo, mas sob um ritmo muito mais lento.
O modelo se enraizou de tal forma entre os consumidores brasileiros que mudou hábitos de décadas. A família procura certificar-se que a maioria de seus membros use telefones da mesma operadora, principalmente se forem celulares. Grupos de amigos seguem a mesma linha – com o perdão do trocadilho – assim como profissionais liberais, comerciantes e o setor empresarial. Quem quer mudar de operadora fica com a difícil incumbência de convencer seu grupo a fazer o mesmo. Muitos fracassam na empreitada.
A relações públicas Isabela Fernandes reside em São Paulo. Sua amiga Thaís Caroline Law, que morava na África, queria que Isabela e mais duas amigas brasileiras migrassem para a TIM. Mas ninguém quis sair da Vivo. “Ela que tem que mudar”, brinca Isabela. Até o pai da relações públicas, residente em Brasília, acabou comprando um chip da Vivo para falar com a filha.
Esses clubes não discriminam classes sociais e não exigem exclusividade. De pedreiros e diaristas e médicos e advogados, todos que querem economizar procuram certificar-se de que estão no grupo certo. O uso de 26 chips é uma piada, mas para garantir a inclusão nos clubes de interesse, a compra de pelo menos dois chips, de operadoras diferentes, é uma prática comum para aumentar as chances de trafegar economicamente na rede. Já é corriqueiro ouvir recados em secretárias eletrônicas de prestadores de serviços que pedem, além do nome e telefone de quem deixa a mensagem, que informe também qual é a operadora. Para cada retorno é usado um chip.
“Eu converso o dia inteiro. Já passei mais de 600 mensagens para clientes, amigos e familiares”, diz o administrador Mário Amâncio Junior. Donos do Centro de Estética Saúde e Bem-Estar, Amâncio e a esteticista Cláudia Regina Devecchi, sua mulher, procuram constantemente reduzir as contas de telefone. Há um ano migraram da Vivo porque consideravam o pacote com minutos de voz e de mensagens de texto (SMS) fragmentado demais e confuso. “Tínhamos que contratar ‘subpacotinhos’ para ficar o menos caro possível”, diz Amâncio.
A opção foi a TIM, com pacote para voz, internet e SMS. O casal paga R$ 0,50 se enviar um torpedo ou um volume ilimitado no dia pelo mesmo valor. Se não enviar nenhum, não tem custo. “Na Vivo, usando ou não, o pagamento era fixo”, diz ele. Além disso, Cláudia e Amâncio se sentiram irritados com a Vivo por causa de uma fatura. A conta, que normalmente era de R$ 130, saltou para quase R$ 400, depois que a fase promocional terminou, sem que eles percebessem. Como a tentativa de negociar um desconto não foi bem-sucedida, eles decidiram mudar. Dizem que, agora, gastam R$ 180 na TIM, com dados e voz ilimitados.
Alguns meses depois da migração, o casal foi pego no contrapé justamente em uma das piores crises de qualidade atravessadas pela TIM – a operadora chegou a ter a venda de serviços suspensa pela Anatel até que reparasse as falhas na rede, assim como Oi e Claro. Devido ao custo, no entanto, eles não mudaram. Segundo Cláudia, 40% de seus clientes são da TIM, os demais são divididos entre Claro e Vivo. Até o consultório do dermatologista Jorge Fornazari Pires, onde Cláudia também trabalha, migrou para a TIM e, junto, a família do médico. “Estamos pensando em usar dois ou três chips e contratar planos mais compactos”, diz Cláudia.
Esse é um dos problemas para as operadoras. Com a facilidade de uso de dois ou mais chips no mesmo aparelho, os donos das redes têm de lutar para manter o maior número possível de usuários ativos. Os mais recentes dados da Anatel, referentes ao primeiro trimestre de 2012, indicam que quase 80% das chamadas originadas de celular no país no período eram “on-net”, ou seja, dentro da mesma rede. O tráfego do serviço móvel pessoal intrarrede das quatro operadoras atingiu a média de 77% no período, enquanto o inter-rede chegou a 10%. Já o tráfego de redes móveis para as fixas atingiu 12%, e das móveis para o serviço móvel especializado (ou rádio, da Nextel) foi de apenas 1%.
O tráfego intrarrede é bem parecido para Vivo (86%), Claro e TIM (85% cada uma). A nota destoante vem da Oi, com 55%. No tráfego de uma operadora móvel para outras móveis, TIM e Vivo registraram 6% do volume de suas redes, cada uma, e a Claro, 8%. A diferença na soma é por conta das chamadas para redes de telefonia fixa, de aproximadamente 9% na TIM e na Vivo, de 8% na Claro e de 23% na Oi.
Quanto mais ampla a base de clientes da operadora, maior a chance de aumentar o tráfego intrarrede, porque os membros do clube têm mais pessoas com quem falar gastando menos. Por isso, o tráfego “on-net” concentrou-se principalmente para Telefônica/Vivo, que tem 75,8 milhões de usuários; TIM, com 70,6 milhões; e Claro, 66 milhões.
Com uma base de 49,5 milhões de usuários, a Oi teve um tráfego para fora de sua rede muito acima do registrado pelas rivais. Bem menores, a CTBC, com 802 mil clientes, e Sercomtel, com 69 mil, ficam em desvantagem e fora da onda dos clubes. A Nextel domina a tecnologia por rádio trunking, com 99,6% de participação nesse segmento, mas perde no modelo de negócios de clubes, com 10 mil clientes em celular.
Para o presidente da Anatel, as altas tarifas de interconexão influenciaram a concentração do tráfego dentro da rede e, com isso, a deterioração da qualidade. Rezende diz acreditar que a redução do valor de remuneração pelo uso da rede móvel (VU-M) pode levar a um equilíbrio.
Mesmo com as mudanças, a tendência é que esse modelo perdure, porque as operadoras estão muito comprometidas com esse tipo de plano, diz João Moura, presidente da TelComp, organização que representa operadoras de diferentes tamanhos. Com isso, as empresas menores têm mais dificuldade para crescer, e cria-se uma barreira de saída para o usuário. “Fica todo mundo entrincheirado”, diz Moura.
Fonte:Valor