São muitos pontos que não traçam uma reta, pois se multiplicam em vias como a Dias Ferreira e a Ataulfo de Paiva, mas levam a concluir que o mercado comercial no Leblon, já nas alturas, está em alta. A medir pela quantidade de cartazes de “passo o ponto” espalhados por ruas nobres do bairro, antigos inquilinos não tiveram fôlego para acompanhar a subida. Não por acaso, uma das placas de aluguel do prédio número 64 da Dias Ferreira, ao lado do bar Pipo, de Felipe Bronze, anuncia: “alugo lojas internas, com varanda, para comércio tipo AAA”, como adiantou a coluna Gente Boa, no GLOBO de ontem. A proprietária, que cobra R$ 8 mil mensais por um espaço de 50 metros quadrados, não mencionou as luvas exigidas para o negócio, que em endereços por ali passam de R$ 400 mil. Mas avisou que não lhe interessa alugar “para ninguém que venda para um público A, B ou C”.

Na Dias Ferreira, há pelo menos outras três placas presas em vitrines empoeiradas anunciando espaços comerciais disponíveis para aluguel, ainda que não tão objetivas quanto a do 64. Ali perto, do outro lado da rua, dois estabelecimentos comerciais no prédio 135 aguardam ofertas. Em um deles funcionou, até cerca de um mês atrás, a livraria Martins Fontes. Já o vizinho está fechado há tanto tempo que poucos se lembram que ali foi uma sapataria. Segundo um morador do mesmo prédio, que preferiu não se identificar, os preços estão exorbitantes:

Os preços estão altíssimos! Ouvi falar que estão pedindo R$ 1.360 milhão de luvas por esta loja em que funcionava a Martins Fontes.

Procurada pelo GLOBO, a imobiliária não passou detalhes do imóvel. Já a placa da loja ao lado indica, pelos telefones para consulta, que a proprietária é a mesma dos estabelecimentos disponíveis no número 64. E, como eles, está vazia há tantos anos, que os vizinhos nem sabem dizer quantos. Já o número 559, onde funcionava a Clínica Ortopédica KCM há mais de dez anos, está desocupado faz pouco mais de uma semana, segundo vizinhos. A atendente do escritório de advocacia que negocia o aluguel, Andréa Silva, informou que o aluguel está por R$ 15 mil, com R$ 400 mil de luvas.

Para a presidente da Associação Comercial do Leblon, Evelyn Rosenzweig, um dos fatores que contribuem para o aumento dos preços é a expectativa da chegada do metrô ao bairro, em 2016.

Na galeria do número 135 da Ataulfo de Paiva, na altura do Jardim de Alah, os proprietários não têm interesse em negociar com os lojistas por preços mais baixos agora, durante as obras do metrô. Quem não têm fôlego não está aguentando ficar. E os preços vão ficar ainda mais altos depois — estima ela. — A floricultura ao lado da antiga livraria Letras e Expressões (cujo espaço foi ocupado pela Drogasmil depois e, há cerca de três meses, está de novo vazio) tem imóvel próprio. Mas os donos estariam querendo passar o ponto e pedindo R$ 400 mil de luvas, mais R$ 15 mil de aluguel. Eles estão apostando numa valorização por conta do metrô. Com os preços subindo, tem muita gente fechando. E está mudando o perfil do comerciante.

Sobre essa mudança de perfil, quem sabe bem é Domingos Ferreira Campos, de 84 anos, desde 1954 na Casa Campos, de ferragens, no número 105 da Dias Ferreira.

Naquela época, aqui passava bonde. Esta área quase não tinha comércio. Éramos nós e a tinturaria aí em frente, agora tocada pelos filhos dos donos. Fora outras que já fecharam, como uma casa de geladeiras, onde hoje é o Hortifruti. Agora está muito melhor — diz ele, que é dono da loja e resiste principalmente porque não precisa pagar aluguel.

Seu Domingos é um dos poucos que não perderam o ponto para bares, restaurantes, bancos e farmácias que cobiçam a região. Tanto que, em 2011, o prefeito Eduardo Paes assinou um decreto estabelecendo regras para o licenciamento do comércio de rua em áreas protegidas do Rio, prevendo que a Área de Proteção do Ambiente Cultural (Apac) do Leblon fosse a primeira da cidade a ter garantida “a preservação de práticas e costumes do modus vivendi carioca”. Com isso, toda concessão de alvará para o bairro passou a ter que passar pela análise da Subsecretaria de Patrimônio Cultural. Para conseguir a licença, a nova atividade não pode descaracterizar a “identidade carioca” do bairro. Segundo a prefeitura, dos 75 pedidos de autorização de uso feitos para ruas do Leblon e Ipanema em 2013, cinco foram negados, quatro deles no Leblon, sendo duas farmácias e dois bancos.

Um desses bancos é o Banco do Brasil, que seria aberto onde ficava a Pizzaria Pronto (Rua Dias Ferreira, 33), justamente o estopim de todo o processo de proteção da Apac contra a mudança desenfreada de uso — conta Washigton Fajardo, presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade.

Mas, antes de isso acontecer, destinos como o da Pizzaria Pronto, também na Dias Ferreira (onde está prestes a ser inaugurado um Banco do Brasil), já estavam selados.

O que tem acontecido é que bancos, redes de farmácias, de restaurantes e padarias, assim como grandes marcas que acham importante ter lojas de rua (e não apenas em shoppings) são os que têm conseguido arrecadar dinheiro suficiente para cobrir os custos. O pequeno comerciante tem dificuldades para pagar R$ 200 de aluguel por metro quadrado, mais R$ 300 mil por metro quadrado de luvas, que é o que está custando uma loja de 50 metros quadrados na Ataulfo de Paiva hoje, um total de R$ 3 mil reais de luvas e R$ 10 mil de aluguel, fora despesas como o IPTU comercial, que é caro, e condomínio, caso seja um prédio comercial – explica Carlos Egon, presidente da Empresa Brasileira de Avaliação Patrimonial (Embrap).

Segundo o Secovi-Rio, Sindicato da Habitação, no entanto, o preço do metro quadrado dos imóveis comerciais para aluguel no Leblon sofreu queda de 5,3% entre o janeiro e junho de 2013. Mas, apesar da redução, de R$ 111,63 para R$ 105, 70, é segundo mais alto do Rio (perdendo para Copacabana, que chegou a R$ 105,83 após aumento de 28,9%). Para o corretor Wagner Figueiredo, da Imóveis Especiais, há 30 anos atuando no bairro, os preços não são empecilho num mercado que “vai bem, obrigado”.

Acabei de negociar pelo menos cinco lojas na região, entre elas o antigo Foccaccia, ao lado da Pizzaria Guanabara, na Ataulfo, que é um Já é, de refeições prontas; o antigo Toca do Siri, que será um TT Burger, do filho do Claude Troisgrois; o El Chalaco, que abriu ao lado do Koni; e a loja da antiga Letras e Expressões, onde há até pouco tempo funcionava uma Drogasmil. Mas este ainda é segredo – diz ele, que também estaria por trás da venda da loja do McDonald´s na Praça Cazuza, que está para ser fechada, após anos de abandono. – Não tem nenhum fenômeno acontecendo no Leblon. É um mercado como outro qualquer. Todo mundo fala que os preços estão altos, mas todo mundo paga. Quando o produto é bom, o público comparece e é sucesso. Estão lá lojas como as do Kone e do Via Sete para comprovar isso.

Wagner está negociando o número 1166 da Ataulfo (na altura da Rainha Guilhermina), onde ficava um Yoggi, fechado há cerca de quatro meses. Segundo porteiros, antes da iogurteria, funcionava ali o Cabeleireiro Rangel, que teria deixado o local por outro ponto, na Rua Bartolomeu Mitre, por causa do aluguel alto. Os porteiros, aliás, são especialistas no mercado imobiliário do bairro. Que o diga Francisco de Sousa, há 34 anos responsável pelo prédio 1351 da Ataulfo, que ajudou a construir depois que também derrubou a casa que havia ali. No local, havia uma filial da Papel Craft e, após cerca de dois anos fechado, vai funcionar um posto da Caixa Econômica Federal:

O Leblon é um bairro muito careiro. Até o café aqui é mais caro do que em Ipanema, por exemplo. Hoje, o comércio vive de altos e baixos, pois o pessoal quer novidades. Quando deixa de ser novidade, a clientela some e o lugar fecha.

Fonte: O Globo

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