Paula seguiu a recomendação do consultor financeiro. Queria dar uma bicicleta de presente de Natal para a neta, porém controlou as emoções e, para gastar menos, decidiu esperar pelas liquidações de início de ano. Pesquisou os preços dos modelos e reservou os recursos no orçamento. No começo de janeiro, foi com a menina na loja que tinha o preço mais baixo em dezembro, mas teve uma surpresa: não havia mais bicicletas, todas tinham sido vendidas.

Quando perguntou sobre as ações de queima dos estoques de produtos que não foram vendidos até o Natal, a resposta foi enfática: produtos com muita demanda, como bicicletas, raramente entram nas promoções.

Decepcionadas, avó e neta resolveram apelar para a tecnologia. Entraram nos sites de comparação de preço e conseguiram achar a bicicleta que queriam em outra loja, com um preço razoável. No final tudo acabou bem, mas Paula passou a questionar as liquidações promovidas pelas lojas brasileiras. O contraste com a prática de outros países é gritante.

No ano passado, os brasileiros gastaram o recorde de US$ 21 bilhões em viagens internacionais. De 2003 até 2011, os gastos no exterior aumentaram nove vezes enquanto que os gastos de turistas estrangeiros no Brasil subiram pouco menos do que três vezes.
A combinação entre crescimento da economia brasileira, real forte e facilidade de crédito proporcionou a mais pessoas ter condições financeiras para fazer viagens internacionais. Por outro lado, a estagnação nos países desenvolvidos contribuiu para reduzir o crescimento dos gastos de estrangeiros no Brasil.

No entanto, as evidências práticas indicam que uma das principais razões para o aumento expressivo dos gastos dos brasileiros no exterior é que, quando viajamos, aproveitamos a oportunidade para comprar, mais barato, uma grande quantidade e variedade de produtos que aqui custam muito mais caro.

Todo turista que volta dos EUA, por exemplo, tem uma história para contar sobre como conseguiu aproveitar uma promoção imperdível e comprou os produtos que desejava há tempos com preços muito mais em conta do que encontraria no Brasil.

O aumento da facilidade para viajar possibilitou que mais pessoas pudessem comparar os preços e as práticas comerciais do Brasil com as dos demais países. E a impressão geral é que nem todas as diferenças podem ser atribuídas apenas à maior tributação existente no Brasil, ocasionada pela alegada ineficiência do governo.

Apesar do crescimento do mercado consumidor brasileiro nos últimos anos, a enorme desigualdade de renda ainda impede o desenvolvimento de uma sociedade de consumo de massa, o que poderia fazer com que efetivamente os preços dos produtos caíssem, em razão dos ganhos de escala de produtores e varejistas. Nessa situação, a decisão empresarial poderia ser a de ganhar mais vendendo mais produtos com margem de lucro menor.

Paula continua interessada em ouvir as recomendações do consultor financeiro e acreditando que é preciso desfrutar o momento sem descuidar do amanhã. Mas ficou mais cética com as campanhas publicitárias das lojas que anunciam liquidações, promoções e oportunidades imperdíveis.
Fonte: Valor

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