O barateamento da principal fonte de recursos do crédito imobiliário ainda não pode ser amplamente constatado onde deveria: no bolso do consumidor. Até agora, as taxas de juros cobradas nos financiamentos habitacionais foram reduzidas apenas pela Caixa Econômica Federal e pelo Banco do Brasil. Nos outros bancos, nem há previsão de cortes futuros. Na Caixa, a taxa de juros para quem decide transferir a conta-salário para a instituição fica em 7,8% ao ano mais a Taxa Referencial (TR). No Banco do Brasil, fica em 7,9% mais TR.
Com as alterações na caderneta de poupança – que desde maio passou a render 70% da Selic mais a TR sempre que a taxa básica estiver em 8,5% ao ano ou abaixo disso -, mudou o custo da principal fonte de recursos para os bancos financiarem a casa própria. Até então, a Selic podia cair ou subir sem afetar, diretamente, a rentabilidade da caderneta. No fim de maio, o Banco Central reduziu a taxa para 8,50%, disparando o gatilho que altera a remuneração da poupança. Hoje, com a Selic a 8%, o menor nível da história, os bancos pagam 5,6% ao ano para os poupadores.
Essa redução na remuneração da poupança poderia levar, em tese, a uma queda do custo do crédito imobiliário. Mas os representantes das instituições privadas argumentam que não é tão simples assim oferecer taxas tão atraentes quanto “Camila Pitanga” ou “Reynaldo Gianecchini” – estrelas das campanhas publicitárias da Caixa e do Banco do Brasil, respectivamente. Dizem que não há muito o que cortar. “De longe, o crédito imobiliário é o que tem o menor spread [diferença entre o custo do banco para captar e o quanto ele cobra do seu cliente] nas linhas para a pessoa física”, afirma Octávio de Lazari Junior, presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). Lazari Junior também argumenta que a menor remuneração da poupança – hoje em 5,6% ao ano mais TR – é muito recente. Diz que a maior parte do saldo na caderneta ainda é rentabilizado pela regra antiga (6% ao ano mais TR). Além disso, afirma que o custo operacional para realizar um financiamento habitacional é grande, ele calcula que representa cerca de 1,5 ponto percentual da taxa cobrada do mutuário. Lazari argumenta ainda que há gastos com treinamento e capacitação dos funcionários, análise de documentos, vistoria e avaliação de imóveis.
A incerteza quanto ao futuro da Selic é outro argumento dos bancos para não reduzir imediatamente os juros ao cliente. “Agora, [o custo de captação] está mais barato. Mas quem garante que a Selic fica abaixo de 8,5% nos próximos anos? Se a taxa básica sobe, a remuneração da poupança também sobe”, afirma Antonio Barbosa, diretor de Crédito Imobiliário do HSBC.
A resistência de grandes instituições privadas em reduzir as taxas faz com que mutuários à procura do custo mais baixo batam em suas portas em vão. “Pesquisamos em três bancos. Fechamos com a Caixa porque foi o crédito mais barato que encontramos”, diz a psicóloga Mayla Knabben Malvezzi. Em setembro, Mayla, o marido Henrique e os filhos Luiz Gustavo, 7 anos, e Gabriel, 10 meses, se mudam para o novo apartamento em São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo. Até fechar o contrato, Mayla percebeu quão incipiente ainda é a concorrência nesse mercado. Nos outros dois bancos que visitou, inclusive na instituição onde ela e o marido têm conta-salário, não conseguiu boas propostas. “Já no primeiro contato, eles me deram a ‘real’. Disseram que não conseguiriam um custo tão baixo”, afirma.
A servidora pública Andréa Regina dos Santos viveu uma situação semelhante. Bateu na porta de alguns bancos, mas não conseguiu um custo que a deixasse “superfeliz”. Acabou aceitando praticamente a mesma taxa que pagou ao financiar seu primeiro apartamento há 18 anos a 10% ao ano, em plena era de juros altos no Brasil. “Entendi que esse não é o primeiro que compro e é um imóvel mais caro. A taxa ficou perto de 9% ao ano”, afirma ela, que apesar do custo semelhante ficou satisfeita com o crédito obtido.
O ímpeto de Mayla e de Andréa em pleitear taxas mais baratas mostram uma mudança cultural e comportamental importantes, segundo o empresário Marcelo Prata, que criou, em 2011, o Canal do Crédito, um site de comparação de taxas de juros. Aos poucos, o mutuário começa a perceber que o financiamento habitacional é uma escolha sua e não do banco. “O brasileiro ainda tem na memória a dificuldade que era conseguir uma carta de crédito. Quem conseguia, se sentia abençoado por um poder divino. Isso não é mais assim”, diz Prata. Embevecido pela decisão do “anjo da casa própria”, o brasileiro não questionava o custo do financiamento. Assinava o contrato sem entender que estava comprometendo boa parte da renda por quase toda a vida produtiva.
Essa é maior bobagem que alguém poderia ou pode fazer. Para o consultor Mauro Calil, é fundamental investir tempo e energia na procura do menor custo. Uma diferença de um ou dois pontos percentuais pode parecer desprezível, mas é extremamente relevante num financiamento de longo prazo. É o que mostra a simulação de um financiamento feita por Calil usando uma taxa de 7,8% ao ano e outra de 9,5% ao ano (veja ao lado). No fim do período de 30 anos, quem tiver aceitado a taxa maior terá pago quase R$ 120 mil a mais do que o mutuário que tiver contratado a 7,8%. “Procurar o menor custo é especialmente importante quando estamos falando de contratos de prazo tão longo como o habitacional”, afirma. Calil adverte que não basta olhar a taxa de juros. É preciso questionar o custo efetivo total, que envolve o custo do seguro obrigatório no financiamento de um imóvel e outras tarifas.
No caso de Andréa, esse questionamento foi determinante na escolha. “Os juros da Caixa eram menores. Mas colocando tudo na conta, valeu mais a pena a proposta do Banco do Brasil”, diz.
Para Mauro Calil, o consumidor precisa ter em mente que, mesmo com o baixo spread, o financiamento habitacional é comercialmente interessante para o banco. A inadimplência muito baixa, perto de 1,3% nos contratos com alienação fiduciária, a fácil recuperação do imóvel se o mutuário fica três meses sem pagar a prestação e a retenção do cliente dentro do banco por até 35 anos são argumentos irrefutáveis. “Para o banco, é um ótimo negócio”, diz Calil. No Banco do Brasil, a percepção é essa, segundo Gueitiro Matsuo Genso, diretor de Crédito Imobiliário. A meta do banco, que foi autorizado a atuar nesse mercado há quatro anos, é dobrar o volume emprestado em 2012. “Queremos aproveitar ao máximo o crescimento desse mercado [que hoje equivale a apenas 5,4% da economia brasileira]. E consideramos o crédito imobiliário como o grande fidelizador do cliente”, afirma Genso.
Segundo estudos preliminares da Abecip, o mutuário é um cliente duas vezes mais rentável para o banco do que um correntista normal. Isso acontece porque ele tende a demonstrar gratidão ao banco que o ajudou a concretizar seu maior sonho, o de ter a casa própria. Geralmente, o mutuário agradece a generosidade contratando outros serviços financeiros – como cartão de crédito, previdência privada, seguro de vida e pagamento de contas de consumo. Não dá para menosprezar o peso de tão sincero agradecimento. Como diz o consultor Marcelo Prata, o poder de escolha agora é do consumidor. Com isso, a queda nos juros pode ser uma questão de tempo. Fonte.:Valor