Produtos não financeiros, embalados (ou não) por promessas de uma boa rentabilidade, fazem brilhar os olhos de muita gente que muitas vezes faz questão de se justificar, afirmando: “é um investimento”.

Uma dessas pessoas, S.F., economista aposentado, acaba de comemorar a boa notícia recebida dia desses: o dono de uma loja de tapetes antigos estimou que as cinco peças persas compradas em meados da década de 1990 por R$ 10 mil hoje valeriam “por alto” R$ 70 mil. Nada mau. A compra, feita em 1997, teria rendido, nesta hipótese, 13,9% ao ano desde então (600% no total), antes de impostos, nas contas de Marcelo d’Agosto, autor do blog “O Consultor Financeiro”, no portal Valor.

S.F. já pode comemorar? Para especialistas, não exatamente. Se o aposentado tivesse colocado esses mesmos recursos em uma aplicação atrelada ao Certificado de Depósito Interbancário (CDI), o retorno teria sido de 16,8% ao ano – ou 933% no período. O mesmo valor na bolsa, contudo, teria rendido menos: 10,3% ao ano ou 333% no total.

Muitos podem argumentar que daqui para frente, diante de juros historicamente em níveis mais baixos, vai ser difícil encontrar algo tão rentável. Porém, ainda que a suposta valorização de produtos como tapetes se mostre imbatível, especialistas afirmam que há mais com que se preocupar. O produto tem liquidez? Ou seja, há como negociar o ativo no mercado, caso seja necessário? O comprador vai querer pagar o preço considerado justo pelo aposentado? Os preços de compra e venda são amplamente conhecidos?

São as respostas a essas questões que fazem com que as apostas em tapetes, joias, obras de arte ou animais se situem em uma zona cinzenta entre o que é considerado investimento e o puro prazer. Se a intenção for “investir” em carros, roupas ou até mesmo em alguns produtos financeiros como títulos de capitalização, aí o recado é ainda mais claro: esqueça o termo “investir” e assuma que você está adquirindo algo para o seu prazer pessoal.

“As pessoas tendem a comprar algo geralmente de que gostam e pensar naquilo como investimento porque é um negócio tangível. Cuidado porque pode ser difícil ‘precificar’ o ativo e, principalmente, se desfazer dele, muitas vezes no momento em que você mais precisa”, diz Álvaro Dias, planejador financeiro e sócio da consultoria A, R & D.

No caso de joias, quadros, tapetes ou vinhos, os especialistas reconhecem que alguns indivíduos podem ter sucesso na empreitada, especialmente se forem conhecedores do assunto. “Mas se quero um terno bonito, no lugar de dizer que estou investindo no meu bem-estar, na minha aparência, é melhor admitir estou gastando com roupa”, diz Jurandir Sell Macedo, consultor de Finanças Pessoais do Itaú.

Macedo, que é também professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), diz que devemos tentar escapar das armadilhas colocadas pelo nosso próprio cérebro. “Ele nos engana de forma fantástica. Se o sujeito gosta de carros antigos ele vai dizer que pode ter lucro com eles, esquecendo-se muitas vezes de contabilizar o tempo e os materiais gastos”, diz.

O próprio Macedo já foi seduzido pelo canto de produtos pouco convencionais. Ele conta que na década de 1980 comprou seis éguas inglesas convencido por um amigo, que assegurou que ele conseguiria vender cada filhote dela por algo hoje equivalente a cerca de R$ 50 mil. Tempos depois, com cinco potros e nenhuma oferta à vista, Macedo conheceu um sujeito que daria R$ 2 mil em cada um deles ou R$ 10 mil por tudo. “E foi aí que vendi as onze cabeças por um quinto do preço que achei que ganharia com cada potro”, afirma Macedo. “Se você quer especular e não sabe, o melhor é ir embora do mercado”.

Segundo especialistas, o interesse em proteger o dinheiro comprando carros ou joias no Brasil é herança direta do período inflacionário. Com o valor do dinheiro corroído diariamente pela alta dos preços, as pessoas corriam para comprar tudo o que pudessem e se ver livre do papel-moeda o quanto antes. “Nesse ambiente, o carro usado, por exemplo, se desvalorizava menos do que a moeda”, lembra Macedo.

Com a inflação baixa, diz o administrador de investimentos Fabio Colombo, a perda fica muito mais clara. O preço do carro novo aumenta aos poucos e a depreciação se mantém. Nas contas de Colombo, ao tirar um carro da concessionária se perde 15% a 20% do seu valor, mais 10% ao ano nos anos seguintes. Ou seja, em quatro ou cinco anos você tem metade do valor do carro. “Parece óbvio, mas muita gente não se dá conta disso”, afirma.

“Carro é investimento para taxista. Para todos os outros é gasto”, afirma Macedo, do Itaú. E nem é preciso ser um especialista para chegar a essa conclusão. Questionada sobre algum arrependimento financeiro, a apresentadora Eliana não titubeou ao responder “carro”, em uma entrevista dada à revista “ValorInveste” de junho. “Você já sai da concessionária perdendo, ainda mais nos dias de hoje, quando é preciso blindar”. Por esse motivo, garante não trocar de veículo com frequência.

Com relação às joias, a questão aqui é que o comprador paga um prêmio sobre a manufatura da peça e geralmente quem a compra quer pagar apenas pelo material – seja ouro, prata ou diamante. “Não é uma commodity e o comprador acaba perdendo por ter um produto específico”, afirma Colombo. Fora o gosto pessoal. Outro ponto apontado por especialistas é que vender no momento em que mais se precisa pode se tornar um tormento. “No caso de uma joia, quem compra vai querer pagar menos para, por exemplo, cobrir seus custos na feitura de uma nova joia com o antigo material”, explica Colombo.

Muitas vezes oferecidos como uma aplicação tradicional, os populares títulos de capitalização também são sempre lembrados pelos especialistas quando o assunto é o que não pode ser considerado um investimento. De acordo com as regras do produto, parte do valor pago pelo título destina-se à constituição de um capital para resgate e parte aos sorteios, dentro de prazos pré-determinados. “Eles têm em uma taxa de retorno menor do que todas as outras aplicações e um componente lúdico, que são os sorteios”, afirma o administrador de investimentos Fabio Colombo. “É jogo e não investimento”.

Para o planejador financeiro Álvaro Dias, ao alocar recursos para um produto como esse geralmente falta informação ao investidor. “E tem também a questão de buscar informação no lugar errado, no local onde há conflito de interesse”, pontua.

O consumidor parece não se importar com as críticas. Dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep) fornecidos pela Federação Nacional de Capitalização (FenaCap) indicam que, apenas em 2012, a receita de um grupo de instituições que oferece o produto subiu 22,4% até abril, para um total de R$ 5,060 bilhões. Desde 2007, a evolução da receita é constante. Pesquisa conduzida pelo Instituto Fractal em abril corrobora os bons números: as aplicações preferidas dos brasileiros são a caderneta de poupança e os títulos de capitalização.

Para o indivíduo comum, disposto a acumular uma renda ou se proteger da inflação, o discurso é mais ou menos um só: “O meu conselho é que ele fique com os mercados tradicionais, ou seja, renda fixa, ações, imóveis e todos os seus derivados”, afirma Colombo. Para Macedo, do Itaú, os amantes de “investimentos” digamos, exóticos, têm que ter em mente que o principal objetivo deve ser o prazer. Assim, ganhar dinheiro deve ser tomado como algo secundário. Confrontado com os números menos favoráveis aos seus queridos tapetes, S.F., o personagem do início da matéria, foi categórico. “Eu sei [que foram menos rentáveis], mas, se não os tivesse comprado, eu não teria curtido”.

Fonte:Valor

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