Um apagão tomou conta do sistema de compra e venda de ações da Bovespa ontem pela manhã deixando os investidores às escuras. O pregão começou com uma hora e 25 minutos de atraso, sem justificativas sobre as causas que teriam levado à pane. Muitos investidores procuraram as corretoras para tentar entender o que estava ocorrendo e várias instituições enviaram comunicados aos clientes.
Segundo operadores ouvidos pelo Valor, a bolsa informou às corretoras sobre o atraso pouco antes do início do pregão pela manhã. O investidor pessoa física, no entanto, não conseguia entender ao certo quais eram os problemas. E, como os estrangeiros costumam começar a operar apenas mais tarde, após a abertura do mercado americano, os mais afetados pelo apagão provavelmente foram mesmo os investidores pessoas físicas que atuam via home broker – sistema de compra e venda de ações pela internet.
Apesar do problema, o mercado operou normalmente após o início dos negócios. Muitos disseram, inclusive, que não viram nenhum dano mais significativo às transações. E o volume total negociado no mercado à vista atingiu R$ 5,935 bilhões, acima da média diária deste ano, de R$ 5,027 bilhões. Já o número de negócio foi de 532.626, muito pouco abaixo da média de 2012, de 538 mil operações. O Ibovespa fechou com valorização de 1,15%, aos 60.645 pontos, e atingiu o maior nível desde 13 de julho de 2011 (60.669 pontos).
“A pane, de qualquer forma, acaba afetando a credibilidade da bolsa”, afirma um operador que preferiu não ter o seu nome citado. O que se sabe é que o problema ocorreu no chamado Mega Bolsa – programa de negociação eletrônica para o mercado à vista e de opções licenciado pela Bolsa de Nova York.
À tarde, já com o pregão em andamento, a BM&FBovespa divulgou uma nota na qual afirma que o atraso na abertura do mercado ocorreu “devido a problemas técnicos em um dos núcleos de negociação do sistema Mega Bolsa.” O comunicado diz ainda que “a falha está sendo analisada (…) de modo a aplicar medidas preventivas adicionais evitando a recorrência do problema.”
Procurada, a BM&FBovespa, por meio de sua assessoria de imprensa, disse que não se pronunciaria a respeito, além da nota divulgada. Com isso, algumas perguntas continuaram sem respostas: O que realmente aconteceu? Não existe um sistema de contingência a ser acionado quando há problemas no Mega Bolsa?
Questionada se a BM&FBovespa, como companhia aberta, não deveria ter informado todo o mercado e não só as corretoras sobre o atraso logo pela manhã, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) disse que “acompanha e analisa as operações e atividades realizadas na BM&FBovespa e toma as medidas cabíveis, quando necessário.”
Alguns investidores ficaram particularmente irritados com o “apagão” do sistema porque, antes de o início do pregão, a bolsa cancelou todas as ordens de compra e venda que estavam na fila para serem executadas. Ativos como os da OGX, Petrobras e MMX figuravam nessa lista.
O cancelamento afetou justamente as pessoas físicas que negociam pelo home broker. Esses investidores costumam colocar no sistema da bolsa ofertas de compra de um papel a um preço mais baixo do que o do dia anterior. Isso faz com que essa ordem entre numa fila de espera até que o preço da ação recue e o negócio seja fechado.
O investidor de home broker pode definir ainda o prazo para que essa ordem seja executada. Se for uma ordem de compra com preço abaixo do mercado, o aplicador pode, por exemplo, configurar o sistema para que ela permaneça no livro de ofertas até o fim do dia. Se o preço cair, ela será executada. Já se a ação continuar acima do valor programado, a ordem será cancelada.
Há, no entanto, investidores que deixam as ordens na fila por semanas, afirma um operador de uma corretora de varejo. É o que o mercado chama de VAC, sigla para “válida até o cancelamento”. Essa ordem na fila de espera é importante principalmente para os negócios com papéis de menor liquidez, cujos preços são expressos em centavos.
Se um papel é negociado a R$ 0,36, um investidor pode, por exemplo, colocar no sistema uma ordem de compra a R$ 0,35. Assim como ele, vários outros fazem o mesmo. A ordem do investidor, então, entra numa fila. “E o lugar que ela ocupa nessa fila faz bastante diferença; por isso, alguns investidores se mostraram bastante incomodados com o cancelamento das ordens”, conta um operador de ações de uma corretora de varejo.
Como os grandes bancos não costumam deixar ordens na fila, o cancelamento executado pela bolsa atingiu exatamente as ordens que foram agendadas pelos pequenos investidores. “A pane deve ter trazido impacto principalmente à pessoa física, que opera bastante dessa maneira”, diz outro operador.
Não é a primeira vez que uma pane pega de surpresa os investidores. Em junho de 2010, houve uma falha operacional que paralisou as negociações com derivativos por pelo menos uma hora. Anos antes, em 2007, houve uma pane durante o lançamento de ações da então BM&F na bolsa. O excesso de negócios na abertura do pregão fez com que o sistema não aguentasse e travasse para a compra e a venda do papel. Com isso, quem estava negociando naquele período não conseguiu completar suas operações.
Fonte: Valor