Qual é o elo entre o mercado financeiro e a economia real? Atualmente, é difícil encontrar algum. Enquanto um é um “cemitério”, a outra é a pujança em pessoa – praticamente em crescimento incontrolável! Não é curioso? Inclusive, porque já houve momentos inversos também – mercado financeiro exuberante e economia real para lá de morna. Qual é o significado de tudo isso?

Recentemente, participei de uma jornada sobre Bion (aquele psicanalista que é o meu queridinho), na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, cujo tema foi “O que é experiência emocional?”

Uma noite e um dia discutindo esse assunto, que é central para quem atua na clínica psicanalítica. De repente, enquanto estava lá, juntei meus dois lados – psicanalista e psicóloga econômica – e me perguntei se haveria uma experiência emocional em curso quando alguém faz um investimento financeiro.

Quando o mercado “anda de lado”, ou sofre as temíveis quedas, o investidor desanima. Parece uma criança emburrada no recreio. “Não brinco mais”! Sem falar que a maioria parece apagar os velhos e sábios conselhos – “quando os preços caem, é a hora de comprar, meu filho…”

O que acontece com essas manjadas recomendações na hora de a onça beber água? Por que grande parte dos investidores abandona seus objetivos? Eles não eram de longo prazo? E a percepção de que o mercado tem oscilações mesmo? Aonde vai parar todo o conhecimento zelosamente cultivado sobre como investir bem, a tranquilidade do investidor esperto, que não coloca todos os seus ovos na mesma cesta? Dane-se, agora eu só quero saber mesmo por que raios esse trem não sobe!

Ou seja, quando a coisa não vai bem, às favas com toda aquela racionalidade bem apessoada que a gente faz questão de usar, como nossa melhor roupa de domingo!

Na hora sombria de expectativas contrariadas, da cara feiosa da frustração zombando da nossa fragilidade, cadê o controle sobre todas as coisas? Aí, sobram emoções, e elas são bem primitivas…

Por isso, não é difícil lembrar-se da criança indignada e avessa a qualquer negociação. Que desaforo – afinal, ninguém combinou com ela que ia tudo enguiçar dessa maneira!

Um elemento essencial para constituir experiência emocional é que haja uma relação em andamento. Só que não precisa ser com outra pessoa concreta – pode ser, por exemplo, uma figura interna. Pode ser animada, inanimada, coisa, situação – quiçá, investidor e investimento.

Que tipo de experiência emocional teríamos ali? Com quem ou com o quê o investidor se relaciona quando coloca seu dinheiro numa aplicação? Para além do lucro, o que mais ele busca nessa experiência?

Confirmação de que está correto em suas percepções é unanimidade. A gente busca esse estado de “coincidência” com a realidade quase ininterruptamente. A intuição verdadeira seria um exemplo de coincidir nesse sentido – pena que seja tão arisca e só raramente se deixe captar ou reconhecer…

Experimentar a sensação de poder também dá ibope. Eu posso por meu dinheiro aqui ou ali. Eu posso fazer meu dinheiro multiplicar. Com ele, eu fico independente e forte. Eu sou melhor do que o otário que está na posição inversa à minha. Eu sei, e ele não sabe. Eu domino minha insegurança e sou o cara.

E ainda outro estado buscado é o desejo oceânico de satisfação infinita – e desprovida de riscos, claro! O mercado está favorável agora, e ficará por toda a eternidade. Com um pouco sorte, até pela próxima eternidade também! Só alegria!

Se for esse o caso – se sentimentos desse tipo estiverem presentes na mente do investidor durante períodos prolongados de bonança -, isso pode significar que todas as outras percepções, aquelas mais sensatas, de que nada nesta vida está garantido etc, ficam fora do radar; mas assim que a maré começa a virar, as emoções que estavam submersas vêm à tona e, então, é de ‘meu mundo caiu’ para baixo…

Pois é, se as emoções primitivas têm um papel tão importante nas decisões de investimento, talvez valha a pena pensar, na mão oposta, se não seria interessante restaurar os elos – entre mercado financeiro e realidade econômica de um lado, e e ntre realidade emocional e realidade externa, de outro.

Quem sabe por aí poderíamos nos reconciliar com a inevitável exigência de sustentabilidade, que suporta o desenvolvimento verdadeiro?

Fonte: Valor

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