Há 7 horas e 18 minutos
O pai do Twitter agora quer simplificar os pagamentos
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Por Seth Stevenson | The Wall Street Journal
A cada tantos meses, Jack Dorsey mostra um filme cuidadosamente selecionado para seus funcionários na Square Inc., sediada em San Francisco, na Califórnia – um filme que “fala sobre algo que nós, como empresa, precisamos aprender”, explica ele. Dorsey planeja exibir “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin, como sua próxima lição cinematográfica.
“Cada pequeno movimento de Chaplin, cada tique”, diz Dorsey, “serve ou para fazer a história avançar ou como um efeito cômico. Não há nenhum movimento desperdiçado. É algo bem visível, bem claro. E, quando você se concentra nos detalhes e na eficiência dos movimentos, algo realmente mágico acontece”.
Aos 35 anos, Dorsey já foi o cérebro não de uma, mas de duas das empresas de tecnologia mais fascinantes e revolucionárias da atualidade. Em 2006, ele criou o Twitter, que desde então evoluiu de ponto de encontro da mídia social para uma importante plataforma para notícias de última hora (bem como ferramenta essencial para políticos, causas sem fins lucrativos e os revolucionários da Primavera Árabe). Em 2009, ele criou o Square, um aplicativo que permite a qualquer pessoa aceitar pagamentos com cartão de crédito usando um smartphone ou tablet. O Square já melhorou a vida de milhões de pequenos empresários – de instrutores de ioga e professores de piano a vendedores ambulantes de comida e outros. E pode, com o tempo, dar uma virada em toda a indústria de pagamentos: a Square acaba de anunciar que se encarregará de todas as operações de cartões de crédito e de débito nas 7.000 lojas da Starbucks nos Estados Unidos.
Como pode uma pessoa inovar em tão grande estilo e, então, voltar e fazer de novo? Nos dois casos, Twitter e Square, as ideias brilhantes de Dorsey são subprodutos da sua busca, de toda uma vida, pela simplicidade e a ordem. Dorsey anseia por criar algo belo e simples a partir de sistemas gigantes e desajeitados, que à primeira vista parecem ser irremediavelmente caóticos. Ele é o Charlie Chaplin da tecnologia: faz o impossível acontecer através da eficiência dos movimentos.
O Twitter surgiu da obsessão de Dorsey, ainda adolescente, pela confusão urbana da sua cidade natal, Saint Louis, no Estado americano de Missouri. Ele passava horas escutando num rádio as conversas das ambulâncias locais. “Eles anunciavam onde estavam e para onde iam”, lembra ele, “e eu percebi que poderia fazer um programa de computador para traçar suas rotas em um mapa das ruas da cidade”. Antes ainda de completar 18 anos, Dorsey conseguiu transformar esse esforço em um software capaz de simplificar todo o processo de expedição das ambulâncias. Passou então a pesquisar na internet qual a maior empresa de transportes rápidos do mundo. Quando a encontrou, logo invadiu seus servidores, mandou um bilhete para o e-mail, não listado, do seu diretor-presidente (avisando sobre a brecha na segurança e já pedindo um emprego), e depois se mudou para Nova York, para tornar-se o principal programador da empresa. Esse emprego veio dar na criação do Twitter, que permite não só às frotas de veículos como também às pessoas comuns transmitirem atualizações instantâneas sobre sua situação – sem necessidade de equipamentos especializados, e não apenas em uma cidade, mas no mundo todo.
O Square foi inventado para reduzir as complexidades de outra rede: a indústria de pagamentos com cartão de crédito. Dorsey tem um amigo artista, que faz objetos de vidro e cujo negócio era pequeno demais para compensar as tarifas mensais e as regras e taxas confusas das máquinas tradicionais para cartões de crédito. Certo dia, ele deixou de vender uma peça de US$ 2.000 porque a cliente não tinha dinheiro vivo. “Daria para ele viver um mês com aquele dinheiro”, diz Dorsey. “As melhores inovações vêm dos problemas reais e das dificuldades reais. Enquanto eu me solidarizava com ele no celular, me ocorreu que nós dois estávamos segurando no ouvido dois poderosos computadores de uso geral. Pensei então que deveria haver alguma maneira de usá-los para facilitar transferências de dinheiro.”
Não demorou para Dorsey projetar um pequenino dispositivo para passar cartões que podia ser ligado na entrada para fone de ouvido de um iPhone ou iPad. A Square envia esse dispositivo gratuitamente a qualquer pessoa que o solicite. A empresa cobra então uma tarifa de 2,75% sobre todas as transações. Para um instrutor autônomo de voo, ou para mágicos de festa infantis, o Square é uma dádiva divina: custo inicial zero; intuitivo de usar; operacionalidade instantânea; e mobilidade total. Desde o momento em que a pessoa recebe o dispositivo pelo correio e o conecta a um smartphone, já pode começar a aceitar Visa, MasterCard, Discover e American Express, tal como faz uma grande loja. A Square também oferece análises das transações para ajudar o pequeno comerciante a entender quem está comprando o quê, em qual quantidade e qual frequência.
O novo aplicativo Pay With Square (Pague com Square) permite que o cliente entre em uma loja, faça uma compra e pague sem passar nenhum cartão: basta dar seu nome. O iPad do vendedor identifica automaticamente qualquer smartphone próximo que roda o aplicativo e mostra a foto do cliente como confirmação, passando então a processar os dados do cartão de crédito associado àquele nome. É o sonho do varejista – uma transação completamente sem atritos. (E é precisamente por isso que uma safra de concorrentes do Square já começou a florescer. A PayPal e a Google já desenvolveram plataformas rivais. E empresas como Visa e American Express têm um bom motivo para evitar que a Square ganhe força suficiente para pressioná-las – e com isso em mente vêm apoiando a concorrência.)
A grande missão de Dorsey vem da sua urgência em simplificar e desobstruir cada detalhe da sua vida. Por exemplo, ele não tem sala na Square. Trabalha em pé numa mesa imaculada, sem nada em cima, no centro de um escritório totalmente aberto, digitando sozinho no seu iPad, facilmente acessível aos colegas, que podem se aproximar informalmente para lhe perguntar alguma coisa. Seu uniforme diário inclui refinados sapatos franceses Repetto (porque, como ele twitou recentemente, são “leves” e “elegantes”) e camisas especiais de colarinho aberto, cuja proveniência ele se recusa a identificar (“um meio termo entre uma camisa Nehru e um colarinho de padre”, pela sua própria descrição). Isso lhe permite transmitir uma formalidade suficiente para as reuniões, mas o liberta da obrigação de usar gravata. Ele incentiva os funcionários a darem um passeio ao meio-dia fora da sede da Square, como meio de ganhar inspiração, e conduz grupos de funcionários em excursões exploratórias, seja a museus ou à ponte Golden Gate.
Com seus interesses muito variados, Dorsey é um verdadeiro excêntrico – não um mero colecionador de maneirismos. Ele trata suas obsessões mais como vocações do que como hobbies. Quando jovem, estudou ilustração botânica sob a tutela de um mestre no Jardim Botânico de Missouri, passando horas fitando os contornos das folhas de ginko biloba. Mais tarde ficou fascinado pelo jeans feito sob medida e foi estudar em uma escola de design de moda. Talvez o mais bizarro: dedicou-se durante um ano inteiro à arte da massagem terapêutica, depois de sofrer dores nos pulsos devido ao excesso de digitação. “Eu estava pronto para fazer massagem pelo resto da vida”, diz ele. “Tentei convencer um dono de uma boate em St. Louis para me deixar colocar uma cadeira de massagem na beira da pista de dança e fazer massagens nas pessoas. Eles acharam uma péssima ideia, então voltei à programação.” Para proteger os pulsos, ele se treinou para escrever em um teclado Dvorak, que tem um alinhamento de letras ergonomicamente superior ao tradicional teclado “qwerty”.
Dorsey mergulha profunda e intensamente em qualquer coisa que desperte sua curiosidade, com a teoria de que a inovação acontece quando pensamentos díspares se combinam. “É importante desmistificar o termo. Inovar é apenas reinventar e repensar. Creio que não existe nada de realmente, organicamente novo neste mundo. São apenas misturas de todas as coisas que proporcionam perspectivas diferentes – que permitem que você pense de uma forma completamente diferente, o que lhe permite trabalhar de uma forma diferente.”
Assim, ele faz uma cuidadosa curadoria do consumo cultural de sua equipe, na esperança de que conceitos não familiares se destilem em algo novo. É por isso que ele passa filmes: “Tempos Modernos” pela economia de expressão; “Bullitt” pelas composições marcantes e despojadas; “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, por mostrar uma firma que vende prazer e surpresa.
Perto do saguão de entrada da Square há uma estante de livros comunitária, onde os funcionários colocam material de leitura para seus colegas lerem e pegarem emprestado. A maioria dos títulos nas prateleiras trata de assuntos previsíveis: biografias inspiracionais de executivos; tomos que antecipam as tendências futuras, guias para técnicas eficazes de administração. Mas há também os livros colocados por Dorsey. Ele oferece “Wabi-Sabi para artistas, designers, poetas e filósofos”, uma explicação sobre o conceito japonês de beleza acidental. E sugere “O velho e o mar”, de Ernest Hemingway, pela concisão. (Hemingway poderia ter gostado da restrição imposta pelos 140 caracteres do Twitter.)
“Minha filosofia pessoal”, diz Biz Stone, um dos cofundadores do Twitter, “é que criatividade é ser capaz de recorrer a caminhos não lineares para chegar a uma solução. E a melhor maneira de fazer isso é ter um pouco de conhecimento de diversas áreas.” Outros empresários do Vale do Silício chegam às suas ideias como cientistas ou matemáticos, mas Dorsey é um polimato curioso. “Jack é um tecnólogo com alma de artista”, diz Stone.
Como disse um repórter do setor, parece que Dorsey herdou o título de Steve Jobs de “o homem mais fascinante da tecnologia”. Mas os dois homens diferem em aspectos vitais. Jobs se concentrava obsessivamente nos produtos da Apple, criando objetos novos com a forma física ideal, sem se preocupar tanto em saber de que modo as pessoas poderiam usá-los depois para transformar a sociedade. Já a visão de Dorsey é mais de cima para baixo, e mais abrangente. Ele identifica grandes barreiras sociais e se esforça para eliminar os bloqueios.
Quando indagado sobre quais as áreas de interesse estão em pauta para um possível terceiro ato, depois das comunicações e dos pagamentos, Dorsey menciona a saúde. “É a coisa mais preciosa que temos e, no entanto, as pessoas em geral sabem tão pouco sobre ela. Eu não sei como funciona o seguro saúde. Não sei como funciona a indústria da saúde. Não sei como diagnosticar a mim mesmo. Precisamos de novas ferramentas.” Talvez Dorsey, na sua mente, já esteja reinventando, embelezando e simplificando mais um dos muitos espinhos da vida.
Fonte: valor