Os automóveis passaram por grandes transformações ao longo da história. As oficinas, idem. Mas a relação, às vezes conflituosa, do cliente com os serviços de manutenção quase não mudou. Para a maioria, ir até a concessionária comprar um carro é quase sempre motivo de prazer; mas voltar, depois, para consertá-lo está longe de proporcionar a mesma sensação. Para os amantes da graxa e da tecnologia, no entanto, uma revisão de motor pode se transformar até em diversão.

Em geral, a vida agitada leva para as oficinas clientes cada vez mais apressados e menos tolerantes. Por isso, a rapidez no conserto ou facilidades como serviço leva e traz e carro reserva tendem a se tornar diferenciais cada vez mais importantes na concorrência entre as marcas.

Se no mercado dos populares grande parte dos consumidores ainda abandona o serviço de oficina do concessionário logo depois das primeiras revisões, as marcas de luxo costumam contar com clientela mais fiel. Assim, a cada dia surgem novas estratégias para agradar o cliente e atraí-lo de volta para a revenda autorizada durante a manutenção do veículo.

Ao relançar sua marca de luxo Lexus no Brasil, há poucas semanas, o grupo Toyota decidiu criar um espaço de espera agradável no único ponto de venda da marca no Brasil, na Zona Sul de São Paulo. O cliente é recebido por manobrista e música ao vivo, tocada em piano de cauda no hall principal. A conversa com o técnico acontece em salas individuais e internet livre está à disposição caso ele resolva aguardar a revisão.

“Queremos que o cliente tenha razões para vir até a concessionária”, afirma Luiz Carlos Andrade Junior, vice-presidente do grupo Toyota no Mercosul. Segundo o executivo, pesquisas com compradores de marcas concorrentes indicaram que a maioria manda o motorista levar o carro para a oficina.

Quem compra um Lexus, a preços entre R$ 220 mil e R$ 615 mil, tem poucas razões para encostar o carro. São quatro anos de garantia – ou 100 mil quilômetros. Mesmo assim, o serviço de assistência inclui, além de reboque, transporte do veículo, aluguel de carro reserva e motorista, a conveniência de um técnico ser deslocado para fazer uma simples troca de pneu.

Pneu furado é um caso sério para quem não gosta de mexer com graxa ou não quer correr o risco de ficar parado numa estrada. Algumas versões de importados permitem continuar o percurso graças a uma substância dentro do próprio pneu que sela pequenos orifícios.

Além de inovaçoes como essa, os carros de hoje quebram menos do que no passado e os períodos de garantia são bem mais extensos. Mas, ao mesmo tempo, poucos têm paciência para encostar o veículo na oficina. Para quem não tem motorista e mora nos grandes centros urbanos, pesa, ainda, o martírio de enfrentar trânsito duas vezes – uma para chegar até o mecânico e, depois, novamente para buscar o carro.

Diminuir o tempo do veículo parado em oficina também começa a se tornar diferencial cada vez mais importante. Uma pesquisa com consumidores da Europa e da China mostrou à Volvo que 90% dos entrevistados estariam dispostos a esperar até uma hora e meia pelo conserto de seu automóvel.

A montadora sueca decidiu, então, criar o chamado “One hour stop”, por meio do qual a concessionária se compromete a executar o serviço em até uma hora. O serviço levou para as oficinas da marca um novo conceito em treinamento e método de trabalho, baseado no sistema “lean”, de produção enxuta, utilizado em fábricas de veículos.

O “One hour stop” já foi implantado em alguns países da Europa e será, agora, adaptado para o Brasil. Uma equipe de técnicos da Suécia já veio ao Brasil para iniciar o treinamento com os mecânicos. O objetivo é tornar o serviço mais eficiente e eliminar desperdícios de tempo na oficina.

Segundo o diretor de pós-venda da Volvo no Brasil, Jorge Mussi, testes indicaram que a simples aproximação de caixas de ferramentas nas áreas de trabalho chegou a reduzir em até 45 minutos por dia o tempo de caminhada dos mecânicos pela oficina.

A Volvo ainda não decidiu que nome vai dar ao serviço aqui no Brasil. Mas, segundo Mussi, a meta é que essa nova cultura funcione em pelo menos quatro concessionárias do total de 24 que a marca terá este ano. “A ideia é que 95% dos serviços levem até uma hora”, afirma.

Se alguns preferem pagar para que outro dirija até a oficina existe também o ciumento, que jamais entrega o volante do seu automóvel a outra pessoa. É por isso que quase sempre Ferraris e Maseratis chegam até o mecânico transportadas sobre a plataforma de carretas.

O grupo Via Itália, representante oficial das italianas Ferrari e Maserati, oferece esse tipo de serviço como cortesia. “Entendemos que o carro, para a maioria dos nossos clientes, é um xodó e, por isso, ninguém a não ser o dono, põe a mão”, afirma o executivo de vendas das marcas, Eduardo Alves.

Quem compra uma Ferrari também estabelece com o vendedor uma relação que não se esgota no dia da compra. É para esse mesmo profissional que ele vai telefonar toda a vez que tiver alguma dúvida ou suspeita de problema no veículo.

Alves deixa o celular ligado, dia e noite, para acudir os clientes. Trata-se de um relacionamento pessoal, com gente que ele conhece pelo nome. “Às vezes uma luz no painel acende e eu preciso acalmá-lo”, explica. “Só vender não resolve num segmento tão exclusivo e personalizado. Se eu não acompanhar o que acontece depois meu trabalho de venda vai por água abaixo”, completa.

A despeito dos problemas da vida agitada, ainda existem os apaixonados pelos carros, incapazes de controlar a emoção nem mesmo quando o veículo quebra. A visita ao mecânico se transforma, alias, na grande chance de aprender mais. Clientes assim são os preferidos da indústria. Afinal, a obsessão pelo carro os leva mais vezes à concessionária, ao contrário dos que fariam de tudo para escapar até da revisão gratuita.

Alguns já revelam na escolha do carro o entusiasmo por tecnologia. A Audi detecta clientes com esse perfil. “São apaixonados por tecnologia, que fazem questão de conversar com o técnico, examinar a peça, que têm muito mais interesse pelo momento da manutenção do que teria o proprietário de um modelo popular”, destaca o diretor de pós-vendas da Audi, Marcel Yoshida. O executivo arrisca calcular que uma média de 70% dos compradores da marca fazem questão de eles próprios levarem o carro para a oficina.

Clientes assim vão questionar os mínimos detalhes. “Gostamos desse ‘chato’, que provoca debates técnicos, que busca saber sobre novas tecnologias”, diz Yoshida. Afinal, é por meio dessas conversas que esse cliente vai investigar o que poderia ainda ser feito em seu automóvel, quais acessórios poderiam ser agregados.

Limpas e sofisticadas, as oficinas de hoje em nada lembram as do tempo em que o mecânico gostava de pendurar calendários de mulheres nuas nas paredes. Mas para os que adoram os carros, seja em alta velocidade numa estrada, ou parados, nas mãos do mecânico, a oficina continuará a ser sempre o laboratório da sua emoção.
Fonte:Valor

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