Nos anos 70, consumidores costumavam dizer que o supermercado mais barato do país ficava na praia de Botafogo, no Rio de Janeiro, onde funciona a sede da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Isso porque o Índice Geral de Preços Disponibilidade Interna (IGP-DI), calculado pelo órgão, era o índice de inflação oficial naquele período. Ironias à parte, essa visão de descasamento entre a apuração dos institutos e a vida real, que atravessa décadas, tem uma lógica relativamente simples. É que qualquer indicador reflete uma média ponderada de centenas de itens. E a oscilação de valor desses produtos e serviços passa longe da uniformidade. Ao abrir a caixa dessas métricas, surgem os vilões das altas de preços, que subiram bem acima das taxas divulgadas.


No caso do Índice Geral de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial de inflação calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos últimos cinco anos itens como alimentação fora de casa, carnes e serviços de empregados domésticos se revezam como aqueles que mais afetaram individualmente a taxa de inflação. Na prática, significa que comer em restaurantes, comprar bife e contratar uma doméstica já pesam bem mais no orçamento do que pode sugerir a inflação média.


Entre 2007 e 2011, dados do IBGE mostram o item alimentação fora de casa, que inclui almoço, lanche e café da manhã, com alta de 57,64%, ou seja, quase o dobro da inflação do período, de 30,17%. No caso das carnes, um grupo que reúne produtos bovinos e suínos, a alta foi o triplo, de 92,62%. E pagar uma empregada doméstica ficou 64,65% mais caro em cinco anos.

Quem tem por hábito almoçar ou jantar fora de casa, por exemplo, gasta 21% a mais do que em 2007, na comparação com o salário atual, reajustado pelo IPCA. Essa mesma pessoa desembolsa 46% extras dentro de seu orçamento atual para comprar carnes. E o custo de manter uma doméstica está 27% acima do que era cinco anos atrás.


A abrangência desses aumentos acima da inflação média são mais amplas do que se imagina. Um estudo da empresa GfK no mês passado mostra que 51% da população come fora de casa e 16% dos brasileiros almoçam em restaurantes durante a semana. Um levantamento da administradora de cartões de benefício e pré-pagos Alelo, em parceria com o Datafolha, no início do ano, indica que o custo médio por refeição no país já alcança R$ 27,46. Entre as modalidades populares de refeição, o valor do prato feito chega a R$ 20,58. Para almoçar em um quilo, o desembolso já está em R$ 23,60.


Na avaliação do coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada da Escola de Economia da FGV, Emerson Marçal, os vilões da inflação atual são basicamente os serviços. “Você não pode importar esses itens, então o preço está subindo”, explica. A alta ocorre devido ao crescimento da demanda conjugada com fatores como aumento da renda, baixo desemprego, aquecimento da economia e câmbio valorizado até 2011. “Com mais dinheiro no bolso, as pessoas querem ter um plano de saúde melhor, jantar fora e a demanda cresce muito rápido. E a oferta não cresceu muito”, afirma.


Esse mesmo efeito levou ao surgimento de outros vilões. No ranking de itens que mais afetaram o bolso entre 2007 e 2011 segundo o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S), divulgado pela FGV, aluguel residencial ocupa o primeiro lugar do ranking de peso individual, seguido de tarifa de ônibus urbano e plano de saúde. Todos com aumentos acima da inflação acumulada no período, de 30,3%.

Além da pressão da demanda, os chamados preços administrados sobem porque embutem reajustes definidos em contrato. Para o coordenador do IPC-S, Paulo Picchetti, “o fato de vários números serem próximos, como as altas de aluguel, planos de saúde e outros, não é por acaso”. “Há uma indexação ainda forte na economia”, explica.


O estrago no orçamento causado pelos vilões atinge em cheio a classe média alta. “No momento, está pagando quem tem uma renda maior”, diz Marçal, da FGV. Para o consultor financeiro Mauro Calil, contudo, pessoas de menor poder aquisitivo sentem ainda mais no bolso essa alta mais aguda de alguns itens. “O peso é maior numa população de menor renda, proporcionalmente aos rendimentos. Muita gente resiste a mudar os hábitos de consumo mesmo que os preços tenham se tornado proibitivos.”


Desde o início do Plano Real, em 1994, o ranking do IPCA revela que cozinhar em casa ficou duas vezes e meia mais caro. Isso porque combustíveis domésticos, ou seja, principalmente gás de cozinha em bujão e encanado, registraram a maior alta. O acumulado do período chega a 821,27%, ante um índice geral de 305,92%. No segundo posto, figura o grupo comunicações, que abrange telefones fixo e celular, correio, TV a cabo e internet, com uma variação de 703,54%. Transporte público, com 630,2%, e serviços pessoais, categoria que inclui domésticas, manicure e cabeleireiro, alcançou 540,02%.


Em 2012, as notícias são ruins para os fumantes. Cigarro é o item que mais tem pesado até maio na composição tanto do IPCA quanto do IPC-S. Segundo relatório do IBGE, “o resultado refletiu aumentos praticados em abril, quando o produto teve alta de 15,04%”. No IPC-S, o item acumula alta de 19,74% no ano.


Os salários dos empregados domésticos continuam a pressionar os índices. No IPCA, o subitem acumula alta de 6,54%, ante uma inflação média de 2,24%. Levando em conta o IPC-S, os empregados domésticos tiveram reajustes acumulados de 7,73%, enquanto o índice se mantém em 2,83% até junho.


No ranking sem ponderação, entre 2007 e 2011, os campeões de alta subiram até cinco vezes mais que o índice no período. Foi o caso da mandioca, com variação de 148,59%. Em cinco anos, viajar de avião ficou 140,7% mais caro. O item passagem aérea figura no segundo lugar entre os vilões absolutos do bolso, seguido da piramutaba, um peixe de água doce, com alta de 138,08%, e do quiabo, com 136,82%.


Nem o futebol escapou dos aumentos exagerados. Os torcedores pagam hoje 121,13% mais caro para assistir aos jogos. Quem não dispensa um filé mignon em refeições tem de se resignar a gastar 117,18% a mais nos últimos anos. Neste ano, entre os alimentos, o feijão lidera entre os vilões com alta de 61,06% até maio.

Fonte: Valor

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