João A. Winkelmann, diretor da área de private do Bradesco, diz que treino cultural ajuda a aproximar o profissional do cliente
Aulas de golfe, de etiqueta e degustação de vinho. Treinamentos que passam até por estilo de maquiagem, cabelo e o melhor jeito de descer escadas. Vale tudo na hora de oferecer serviços exclusivos e diferenciados para clientes que acumulam “As” na classe social e estão dispostos a pagar pelo melhor. O atendimento em negócios voltados para o mercado de luxo leva a expressão “ao gosto do cliente” para outro patamar – e a gestão de pessoas é parte essencial do processo.
O número desses potenciais clientes vem crescendo no Brasil. Segundo o relatório sobre a riqueza mundial da Capgemini, entre 2010 e 2011 o número de brasileiros de “patrimônio pessoal elevado”, ou com mais de um milhão de dólares disponíveis para investir, aumentou 6,2%. É um dos maiores incrementos do mundo, que deixa o Brasil em 11º lugar entre os países com maior número de milionários.
Ao mesmo tempo, um relatório sobre mercado de luxo do Boston Consulting Group descobriu, no ano passado, que uma das principais tendências desse segmento é uma mudança de como o consumidor do luxo escolhe gastar o dinheiro. Ao invés de comprar e possuir produtos caros, hoje eles preferem viver experiências diferenciadas e exclusivas – em 2012, serviços desse tipo englobavam 62% dos gastos no mercado de luxo nos Brics e, em todo o mundo, cresceu 50% mais rapidamente do que a venda de produtos de um ano para outro. O mesmo relatório projeta que a comercialização de experiências luxuosas cresça 12% por ano até 2014, enquanto a venda de produtos crescerá 7% ao ano.
São mais pessoas dispostas a pagar caro por um “hall de serviços e mimos”, como explica o diretor do programa de gestão do luxo da Faap, Silvio Passarelli. “Há um aumento no número de empresas chegando ou em expansão”, explica. Uma das consequências desse cenário é a qualificação da “linha de frente” desses negócios, ou seja, do atendimento. Segundo Passarelli, o consumidor do luxo é muito sensível à forma como recebe os serviços nos quais escolhe gastar. “Quanto mais alta é a posição na pirâmide, mais exigente é o comportamento do indivíduo em relação ao consumo”, diz. Para ele, é essencial que o profissional que atende esse público mantenha uma relação de igualdade – sem subserviência, mas também sem competição. “O vendedor não deve tentar se rivalizar com o comprador, mas ser um coadjuvante no processo de tomada de decisão de compra de uma forma agradável”, pondera.
Na hora de achar o profissional ideal para esse tipo de atendimento, ele vê as marcas privilegiarem duas estratégias: investir em treinamentos que promovam uma aproximação do funcionário com o mundo do cliente, ou apostar em um modelo de “pertencimento”, onde pessoas da mesma classe social atendem os “pares”, como faz a loja Daslu.
No Bradesco, os profissionais que cuidam das contas private, de clientes com pelo menos R$ 3 milhões em valor financeiro para ser investido, são selecionados entre candidatos externos e internos após um processo seletivo rigoroso. Os 95 “officers” ou “bankers” – ao invés de gerentes, como são denominados no resto do banco – precisam ter qualificações como o CPA-20 (certificação profissional da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), MBA, idiomas estrangeiros e uma “aptidão” para lidar com o público milionário. “Preferimos sofrer no processo seletivo para não errar”, explica o diretor de private do banco, João Albino Winkelmann. O turnover de menos de 2% ao ano faz parte da estratégia para fidelizar o público diferenciado. “É um trabalho que envolve muita confiança. O cliente fica chateado se há troca de gerente a cada semestre”, diz.
Segundo o diretor, é necessário que o profissional tenha “aspectos culturais diferenciados” para conversar com o público e, após a contratação, ele passa por um período de aclimatação que dura entre seis meses e dois anos para se familiarizar com o trabalho na área, os produtos oferecidos, e o mundo dos clientes. Além de treinamentos técnicos, incentivo para realização de cursos e aulas de idioma, o officer recebe aulas para “molhar os pés” em assuntos que podem aparecer nas conversas com os clientes: degustação de vinho, clínicas de golfe e aulas de etiqueta. “A pessoa não vai se tornar especialista, mas ter algum conhecimento do assunto”, explica Winkelmann.
O executivo conta que, para entender como gerir melhor o dinheiro do cliente, os profissionais precisam de um “raio x” da vida dele, tanto profissional quanto pessoal – entram aí até o número de filhos (dentro e fora do casamento) e os hábitos familiares. Para facilitar a criação dessa relação de confiança, a afinidade cultural e comportamental é fator decisivo na distribuição dos clientes. “Não segmentamos por valor, como é mais comum”, diz. Assim, uma pesquisa prévia é feita para saber qual o perfil de quem vai ser atendido e qual é o profissional que melhor combina com ele. Desse modo, um cliente colecionador de carros antigos será atendido por um officer que gosta do assunto, um escritor por alguém que tem a leitura como hobby, por exemplo.
O banco faz um acompanhamento para ver se o atendimento está dando certo e, se o perfil do cliente mudar com o tempo, o officer pode ser substituído. Os officers também são incentivados a frequentar teatro, exposições de arte e outros eventos culturais que podem surgir em uma conversa. A qualidade do atendimento é, segundo Winkelmann, “muito mais importante do que se imagina.”
Treinamento intenso também é a estratégia da rede de laboratórios Dasa, que lançou em março do no ano passado, em São Paulo, a primeira unidade do Alta, voltado para a classe AAA. Em maio abriu outro laboratório no Rio de Janeiro, e no mês que vem será inaugurada uma nova unidade, próxima ao parque Ibirapuera, em São Paulo. Para estrear no segmento, a empresa desenvolveu um programa de treinamento próprio junto com uma companhia do setor, e um manual de conduta que aborda desde a melhor forma de pentear o cabelo até como descer as escadas da casa de dois andares na Av. Brasil, área nobre da capital paulista, onde fica a primeira unidade.
“O treinamento de luxo sempre esteve muito atrelado à moda. No nosso caso, trabalhamos com a saúde, com alguém vulnerável, com ansiedades”, diz Cláudia Cohn, diretora da nova marca, sobre a necessidade de um treinamento específico para as novas unidades. As 98 horas de capacitação, que duraram três meses – dois a mais do que o promovido nos outros laboratórios da rede – incluíram aulas de português, de técnicas de apresentação de teatro e de ‘media training’. Com intensidades diferentes, foram oferecidos a todos os que atuam no laboratório, desde os médicos até os manobristas, que são terceirizados.
Segundo Cláudia, a ideia é fazer a experiência se sobrepor à ansiedade que o cliente pode estar sentindo naquela situação – desde o momento em que ele sai do carro. “Temos que fazer com que o paciente se sinta exclusivo”, diz. A seleção dos profissionais, que vieram de outras unidades do laboratório ou do mercado, é fundamental para a qualidade do serviço, diz Marcelo Rucker, diretor de gente da Dasa. “É preciso ser voltado ao atendimento, gostar de servir”, diz.
Já a imobiliária Coelho da Fonseca investiu na estratégia de “pertencimento” para atender os mais ricos. Há cerca de dez anos, criou uma equipe de ‘private brokers’ voltada para comercializar imóveis de luxo no Brasil e no exterior, em especial Nova York, Miami e Paris. Segundo Fernando Sita, diretor geral de terceiros da empresa, uma das características das classes mais altas sempre foi fazer negócios e vender imóveis entre si, sem a ajuda profissional de um corretor.
Para ocupar esse espaço, o próprio presidente da imobiliária, Álvaro Coelho da Fonseca, formou a equipe de corretores “de luxo”, composta também de membros das classes mais abastadas. “O comprador é atendido por uma pessoa do mesmo nível social, que fala a mesma linguagem, frequenta os mesmos lugares e consegue identificar melhor a necessidade desse cliente”, diz.
Até hoje, a equipe fica inteiramente sob a responsabilidade do fundador da empresa, que é quem contrata novos corretores, normalmente por indicação.
Grande parte é formada por executivos aposentados que não querem parar de trabalhar e por mulheres casadas ou divorciadas de empresários – algumas das quais nunca trabalharam na vida, segundo Sita.
Como parte de um processo de integração de uma semana pelo qual todos os corretores passam, os brokers aprendem sobre os aspectos jurídicos e comerciais do negócio. “Algumas não sabiam nem mexer em computador”, completa. O diferencial, no caso deles, é mostrar o produto in loco, em viagens para o exterior, para que tenham mais conhecimentos de aspectos como localização, vizinhança e distância do aeroporto. “Eles não vendem o produto, mas o conceito”, diz.
Nos últimos quatro anos, a imobiliária sentiu um aumento tanto no número de imóveis comercializados pela área – hoje, em média, são 12 por mês – quanto no valor negociado. Desde 2008, a equipe aumentou de 14 para 20 corretores.
Fonte:Valor