O brasileiro hoje está mais comedido do que no começo do ano. A perda de confiança na economia, o alto comprometimento da renda com dívidas e a necessidade de arcar com juros mais altos levaram a uma piora da percepção sobre as finanças pessoais no segundo trimestre. A intenção de gastar cedeu espaço à necessidade de lidar com o endividamento. O pagamento de dívidas tornou-se o destino prioritário dos recursos que sobram depois de cobertas as despesas essenciais, aponta uma pesquisa da consultoria Nielsen divulgada com exclusividade para o Valor. Os compromissos financeiros tomaram o lugar do entretenimento fora de casa, prioridade no levantamento anterior, realizado pela consultoria no primeiro trimestre. O pessimismo do consumidor adiciona combustível às perspectivas já ruins dos empresários para a economia doméstica.
Perguntados sobre o que pretendem fazer com os recursos excedentes, 39% dos entrevistados disseram que querem pagar dívidas, empréstimos ou o cartão de crédito. O percentual significa um avanço de dois pontos em relação ao resultado da pesquisa feita no primeiro trimestre. Os que indicam a intenção de gastar recursos com lazer encolheram no mesmo período, de 39% para 36%. Os participantes podem apontar quantas opções quiserem. Quando questionados sobre as medidas que tomaram para reduzir despesas em comparação com a mesma época do ano passado, 60% disseram que cortaram entretenimento fora do lar.
“O brasileiro parece cada vez mais assustado com as possibilidades de inflação e as perspectivas para o PIB, jogadas para baixo a cada semana”, diz Claudio Czarnobai, gerente de atendimento da Nielsen. A parcela dos que acham que o país está em recessão econômica chegou a 41% no segundo trimestre, ante 37% no começo do ano. Os que têm perspectivas ruins ou não tão boas para o emprego nos próximos 12 meses cresceram pelo terceiro trimestre consecutivo, chegando agora a 31%.
O Índice de Confiança do Consumidor brasileiro caiu de 112 no primeiro trimestre do ano para 110 no último levantamento. Ainda assim, o Brasil é o único país da América Latina no nível mais alto de confiança da escala da Nielsen, que inclui países com indicador maior do que 101. Aqueles com índice entre 90 e 100, casos do Peru e do Chile, estão no nível médio e os abaixo de 89 são considerados pessimistas. No patamar mais baixo estão Colômbia, México, Argentina e Venezuela. O índice médio da América Latina é de 93, em queda há três trimestres consecutivos.
No campo das intenções, o desejo de consumir produtos com novas tecnologias caiu, apontado por 25% dos entrevistados, ante 27% de três meses antes. Já os planos de comprar roupas novas, viajar de férias e reformar a casa ganharam espaço (ver gráfico acima).
O brasileiro não está sozinho no desejo de quitar as dívidas. Essa é a prioridade quando considerada toda a América Latina. A diferença é que, na média da região, poupar dinheiro vem em segundo lugar, enquanto no Brasil aparece em oitavo na ordem de prioridades para o dinheiro excedente. Poupar é a prioridade no México, Venezuela e Peru.
A intenção de investir em fundos ou ações, que vinha crescendo e chegou a 15% no primeiro trimestre, caiu para 13% no último levantamento, realizado entre 13 e 31 de maio. A intenção de aplicar na caderneta de poupança também caiu, de 14% para 13%. Já a previdência privada cresceu um pouco dentre as prioridades, mas se mantém em um nível muito baixo, de 6%.
A sondagem da Nielsen mostrou ainda que a percepção de que essa é uma época ruim ou não tão boa para comprar itens desejados e necessários nos próximos 12 meses, estável em 56% dos entrevistados há dois trimestres, subiu agora para 59%. Os que consideram que a situação das finanças pessoais estará ruim ou não tão boa também cresceu, de 19% no começo do ano para 21% agora.
“Esse é o comportamento histórico do brasileiro, que paga a fatura e no mês seguinte já está comprando móveis e roupas, afundando-se em dívidas novamente. É o voo da galinha”, diz Czarnobai. Esse é o retrato, segundo ele, de uma população que começou a ganhar mais, mas ainda não aprendeu como criar um bem estar de médio prazo.
É o que mostra o nível de inadimplência do consumidor brasileiro, que cresceu 5,6% no primeiro semestre em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o último levantamento da Serasa Experian. O maior crescimento, de 12,6%, foi das dívidas chamadas de não bancárias, que incluem cartão de crédito, financeiras, lojas e prestadoras de serviços, como telefonia, água e energia elétrica. As dívidas bancárias avançaram bem menos, 1,3%.
Apesar do avanço, o crescimento da inadimplência é o menor desde o primeiro semestre de 2011. O indicador, que assumiu um compasso de alta no fim de 2010 diante do crédito farto, começou a cair lentamente ao longo do segundo semestre de 2012. A inadimplência retomou a alta em março deste ano, mas voltou a recuar em junho, quando caiu 3% em relação ao mesmo mês do ano passado. “Mesmo com a inadimplência recuando muito lentamente, o endividamento ainda é alto”, diz Carlos Henrique de Almeida, economista da Serasa Experian.
Os compromissos financeiros tomaram 21,5% da renda líquida das famílias brasileiras em abril, segundo o dado mais recente do Banco Central. “É um índice muito alto, que vai ser agravado agora pelo ciclo de elevação dos juros”, afirma Almeida. Ao mesmo tempo em que as dívidas – como as do cheque especial e do cartão de crédito – tendem a ficar mais caras, diz, a inflação tem reduzido o poder de compra dos recursos que sobram no bolso depois que as dívidas são quitadas.
O reflexo do comprometimento da renda – e da necessidade de quitar as dívidas, até para poder consumir mais – aparece na economia real. “Cada vez mais o consumidor deixa de fazer compras para pagar dívidas”, diz Almeida. A falta de confiança no futuro, afirma, adiciona cautela ao comportamento de consumo.
A economia é a quinta maior preocupação dos brasileiros para os próximos seis meses, de acordo com o levantamento da Nielsen. Aparece depois de saúde, equilíbrio entre trabalho e vida, criminalidade, educação e sustento dos filhos. Na média da América Latina, a segurança no trabalho figura como maior preocupação, seguida da economia e da criminalidade.
fonte:Valor