O arsenal do governo para estimular o consumo encontra um alvo resistente. O brasileiro percebeu que, depois de cobrir as despesas essenciais, não sobra mais dinheiro no bolso. Parte da renda mensal, que antes embalava sonhos de consumo, agora já têm um destino obrigatório – quitar dívidas. Na pesquisa global sobre confiança da consultoria Nielsen, realizada a cada três meses, o entretenimento fora de casa aparecia desde janeiro de 2011 como prioridade do brasileiro. Já no primeiro trimestre deste ano, o desejo de pagar as dívidas assumiu a dianteira. Ou seja, o que se viu nos primeiros meses de 2012 foi um consumidor muito mais cauteloso do que no fim do ano passado.
A Nielsen entrevistou 28 mil pessoas em 56 países, sendo 3,5 mil na América Latina. Diante de uma lista de destinos para o dinheiro excedente, com a possibilidade inclusive de marcar todos, os brasileiros disseram que vão passar uma tesoura nos gastos. O lazer fora de casa, que liderava o ranking como opção de 39% dos consumidores no último trimestre de 2011, caiu para 33% no começo deste ano. O índice tinha chegado a 42% entre julho e setembro.
Os entrevistados também cortaram as intenções de gastos com roupas novas, reformas, decoração, produtos com novas tecnologias e viagens. Todas essas opções atingiram no primeiro trimestre o menor índice desde janeiro de 2011. “A crise externa parece ter começado a assustar o brasileiro. Por isso ele deve ter diminuído esse impulso por consumo”, diz Claudio Czarnobai, analista de mercado da Nielsen.
Outras pesquisas da consultoria, segundo o analista, mostram a redução do consumo em volume. Em alguns casos, há uma migração para itens de maior valor. Diante da necessidade de acertar na compra, para não ter que fazer outra no curto prazo, o consumidor é mais cuidadoso em suas escolhas.
Além da incerteza econômica, as faturas do passado de gastos excessivos começaram a pesar no orçamento. “Principalmente as classes média e baixa ainda estão aprendendo a lidar com o crédito muito disponível”, diz Czarnobai. A pesquisa mostra que o consumidor virou a chave. “O brasileiro tem uma preocupação altíssima com ter o nome sujo. Quando começa a perceber que os gastos não se encaixam no fluxo de caixa, vira o circuito do consumo para quitar as dívidas”, afirma.
No topo da lista de prioridades, pagar as contas foi o objetivo apontado por 34% dos entrevistados no primeiro trimestre, acima da média global, de 27%. Vale lembrar que, segundo a Serasa Experian, a inadimplência dos quatro primeiros meses deste ano no Brasil já é 19,6% maior do que a do mesmo período de 2011.
Do plano de quitar e evitar novas dívidas ao desejo de poupar, entretanto, há ainda um abismo. Os que pretendem colocar dinheiro na caderneta de poupança eram 32% no fim do ano passado. Agora, caíram para apenas 12%.
A boa notícia é que o percentual dos que desejam investir em ações ou fundos subiu de 5% entre outubro e dezembro para 11% no começo desde ano. Para o analista da Nielsen, pode ter havido um impacto das iniciativas do governo para reduzir os juros. “Acaba sendo um contraponto para a poupança, com o aplicador pensando em tentar algum tipo de investimento que dê rendimentos mais altos”, diz.
O interesse pelas ações pode ter sido afetado pela alta do começo do ano. A pesquisa foi feita até fevereiro, quando o Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, acumulava alta de quase 16%. Talvez os entrevistados não ficassem tão animados diante do mergulho recente do indicador.
De qualquer forma, o índice de 11% no primeiro trimestre ainda ficou bem inferior à média global dos que pretendem investir em ações ou fundos, de 23%. A intenção dos brasileiros de destinar recursos à previdência privada, de 4%, também perde em muito para a média de 13% em todo o mundo.
Esse consumidor de 2012, mais receoso e controlado nos gastos, também é menos confiante do que o do fim do ano passado. O índice de confiança do brasileiro recuou dois pontos, para 110, na contramão da média global. Mesmo com o recuo, o indicador do Brasil é o sexto maior do mundo, atrás de Índia, Arábia Saudita, Indonésia, Filipinas e China. Na escala da Nielsen, o Brasil está no nível mais alto de confiança – faz parte de um seleto grupo de 11 países com indicador maior do que 101. Países com índice entre 90 e 100 estão no nível médio e os abaixo de 89 são considerados pessimistas.
Fonte:Valor