Quando um cliente chega ao consultório dizendo que quer comprar uma casa em Miami, o planejador financeiro Fabiano Calil pergunta se é para uso ou investimento. “É claro que todos respondem que é para investir”, diz. Então Calil responde que a melhor opção nesses casos é uma laje comercial ou um prédio dividido em pequenos apartamentos. É um teste, ao qual o cliente costuma responder com um lamento do tipo: “Mas eu queria um campo de golfe…” A brincadeira de Calil serve para que fique claro o destino do bem. Há espaço para lazer no patrimônio, mas ele não deve estar travestido de investimento.
Seja por prazer ou por oportunidade, a moda de ter uma casa nos EUA cresceu depois da crise imobiliária americana, em 2008. A queda dos preços fez com que surgissem pechinchas aos olhos dos estrangeiros. Miami responde por 31% dessa demanda, segundo a Miami Association of Realtors. A associação de corretores da cidade contabilizou no ano passado o maior volume de vendas a estrangeiros de seus 92 anos de história. “Os brasileiros são o segundo maior grupo de compradores, com 12% dos negócios em 2011”, diz Terea King Kimey, presidente da associação. A maioria, 49,2%, compra imóveis em Miami, seguida por Fort Lauderdale, com 18,6%, e Orlando, com 13,6%.
E a demanda continua forte. Bruno Drummond, consultor de negócios baseado em Boston, especializado em assessorar brasileiros nas áreas contábil, jurídica e financeira diz que verificou, até agosto deste ano, um aumento de 55% no número de consultas de brasileiros, entre empresas e pessoas físicas, que tinham interesse em investir em imóveis nos EUA. “Desse total que chegou até nós, 95% mostravam pela primeira vez interesse em investir em imóveis nos EUA”, diz Drummond.
“Os brasileiros se interessam muito pelo potencial de valorização do imóvel”, afirma Dennys Mark, consultor da Elite Global Realty, empresa com sede em Miami. Os negócios no segmento residencial, diz, variam hoje de US$ 70 mil dólares a US$ 3,8 milhões.
“Quem comprou ainda está em lua de mel, mas em geral isso não dá retorno, mas custo”, diz Ernesto Leme, responsável pela área de gestão de fortunas da Claritas. Ele enfatiza os custos de manutenção e a dificuldade de alugar o imóvel. Se a intenção é lazer, ele sugere que o cliente avalie a frequência. “Muitas vezes eles usam a casa por dois meses no ano e pagam nos outros dez”, diz.
Quem compra o imóvel como investimento deveria ficar atento à oportunidade de revenda. Mas, com brasileiros, não é bem assim, diz o consultor Fabiano Calil. “Temos um vício patrimonial. Somos bons compradores e raros vendedores. Costumamos comprar e ficar”. Se o valor do imóvel dobrar, por exemplo, afirma o planejador, o proprietário espera que triplique para realizar o ganho.
A onda de consultas para compras de imóveis nos EUA continua, mas um volume igual de brasileiros agora busca ajuda para vendê-los, diz Roberto Justo, sócio do Choaib Paiva e Justo Advogados, escritório que há 20 anos presta consultoria a compradores de imóveis em Miami. Alguns clientes têm surpresas desagradáveis quando querem reverter o negócio, diz Justo. “O problema todo é que alguns corretores vendem um ‘pacotinho’ que as pessoas não sabem exatamente como funciona.”
Segundo ele, o ‘pacotinho’ consiste geralmente em uma empresa em um paraíso fiscal, proprietária de outra nos EUA – uma companhia de responsabilidade limitada (LLC, na sigla em inglês) – que vai comprar o imóvel. A questão é que, quando o proprietário vende a empresa, paga imposto nos EUA sobre o ganho de capital. A alíquota pode chegar a 35%. Ao distribuir os ganhos para a pessoa física, deve pagar até 27,5% no Brasil. Não é possível compensar um imposto com o outro porque o primeiro incide sobre a pessoa jurídica e o segundo sobre a pessoa física.
Os mesmos impostos valem para o aluguel quando se recorre a essa estrutura. “Quem assume todas as despesas é o locador e às vezes ele não fica com quase nada. Muitas pessoas não sabem disso”, afirma Justo. A estrutura jurídica costuma ser recomendada a compradores de imóveis devido ao salgado imposto de sucessão americano. Se o bem for comprado em nome da pessoa física e ela falecer, o governo chega a morder 47% do valor de mercado do imóvel.
Os prós e contras do que o especialista chama de ‘pacotinho’ são mais um motivo para ter certo se o objetivo do imóvel é ser ‘brinquedo’ ou investimento. Se a intenção é ganhar com a transação, recomenda Justo, não vale a pena recorrer a essa estrutura. Fazer a compra na própria pessoa física garante compensar os impostos sobre ganhos pagos nos EUA com a contribuição feita no Brasil.
Nesse caso, como se proteger do imposto sobre sucessão? Justo sugere que, ao comprar o imóvel, o cliente contrate um seguro de vida correspondente ao valor do imposto. Dependendo da idade e da saúde do proprietário, diz, o valor do seguro será inferior ao montante necessário para criar a estrutura jurídica, que estima em US$ 2 mil a US$ 3 mil por ano.
Fonte: Valor