Quem nunca namorou em carro? O automóvel é coadjuvante frequente em histórias de cinema, poesia e vida real. É no carro que se passa, por exemplo, boa parte de “História passional, Hollywood, Califórnia”, na qual Vinicius de Moraes ironiza o modo de vida americano já no final dos anos 1940: “Preliminarmente, telegrafar-te-ei uma dúzia de rosas/ Depois te levarei a comer um shop-suey/ Se a tarde também for loura abriremos a capota/ Teus cabelos ao vento marcarão oitenta milhas”.
Muitas das histórias são “impublicáveis em jornal”, segundo asseguram as mais de dez pessoas envolvidas em algum enredo real que consultamos para a reportagem. “Eu tenho uma, mas não posso contar”, declaram. Há ainda quem se limite a dizer: “Que saudades do meu Fusca…”
Num roteiro quase cinematográfico, o longo poema de Vinicius pode nos dar pistas do que a maioria esconde: “De novo no automóvel perguntarei se queres/ Me dirás que tem tempo e me darás um abraço…De novo no automóvel perguntarei se queres/ Me dirás que hoje não, amanhã tens filmagem…”
Alguns passeios depois, os personagens do poema se entendem: “Depois pergunto se queres ir ao meu apartamento/ Me matas a pergunta com um beijo apaixonado/ Dou um soco na perna e aperto o acelerador/ Finges-te de assustada e falas que dirijo bem.”
A obra de Vinicius termina em tragédia. Mas, na vida real há muitos casos com final feliz. Nem todos têm o tom de malícia da obra do poeta. De qualquer forma, o carro acaba sendo cenário ideal para um simples flerte, namoro sério ou até de casamento.
A manicure Rosana Mendonça não tem vergonha de contar que passou boa parte de um antigo namoro dentro do carro. Mas o romance se passou com o veículo parado o tempo todo. Ela se apaixonou por Bartolomeu, antigo vizinho, que trabalha com veículos. Só que o moço só a convidava para ficar com ele na própria garagem, dentro do carro, um Opala preto com vidros bem escuros. Foram momentos intensos, lembra ela. Mas o namoro não foi adiante. Ela gostaria de voltar, mas acha que Bartolomeu não quer nada sério.
Se a ideia é tirar o automóvel da garagem é preciso cautela. Tanto direção como namoro requerem atenção exclusiva. Mas muita gente nem sempre se dá conta que não dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo.
Aos 18 anos de idade, no início da década de 1970, Carmo havia acabado de comprar um jipe modelo 1951 e o único dinheiro que sobrava para a gasolina era rigorosamente guardado para os passeios com a namorada, nos fins de semana. Certo dia, a dupla levou um susto. Carmo soltou o volante para tentar roubar um beijo de Irma. O jipe foi parar num poste. “Foi só uma raladinha e o salto do meu sapato que soltou; não machucou ninguém”, conta Irma, casada com Carmo há quase 40 anos.
Esse namoro começou antes de Carmo ter o próprio carro. Mas foi por causa de outros veículos que a relação surgiu. Ele trabalhava como frentista num posto em Marília. Cada vez que um carro passava pela bomba cabia a ele levar até o caixa o papelzinho para registrar quantidade de litros consumidos e valor pago pelo cliente.
Irma, que já trabalhava na administração do mesmo estabelecimento, substituía a moça do caixa no horário do almoço. Foi aí que ela começou a perceber os olhares apaixonados do frentista. No começo, não deu bola, pois acabara de terminar um namoro.
Por fim, rendeu-se à paquera. O casal partiu, então, para os passeios. Irma conta como era maravilhoso poder fazer piquenique no country club, afastado da cidade. Graças ao carro, conseguia frequentar também o primeiro barzinho que apareceu na cidade. “Era chique uma moça ir a um barzinho”, diz. Só havia um problema: a mãe de Irma permitia os passeios no veículo do namorado mediante presença, no banco traseiro, das duas irmãs mais novas.
As guardiãs de plantão só deram sossego ao casal quando o dia do casamento chegou, em julho de 1972, menos de dois anos depois do início do namoro. Enfim, sós. No carro. Só que dessa vez a dupla saiu para a lua de mel a bordo de uma Kombi. Carmo arrumou emprego de transporte de remédios em São Paulo e decidiu aliar o útil ao agradável: fez da viagem para São Paulo o roteiro da lua de mel. Prestes a completar 60 anos de idade e 40 de casamento, o casal Carmo e Irma Nascimento hoje lembra os velhos tempos. “Era uma vida que dá muita saudade”, diz ela.
O amor leva a loucuras ao volante. Marieta é o nome fictício da moça que há uns 30 anos decidiu levar aquele que mais tarde seria seu marido para uma aventura em Campinas. Ao completar 18 anos, ela havia acabado de ganhar um carro de presente dos pais. Mas não tinha carteira de motorista. Mesmo assim, encarou a estrada para se exibir para o namorado. No começo da viagem foi só alegria. “Como você dirige bem”, dizia ele.
Mas não se sabe se por causa da chuva forte, por falta de experiência da motorista, distração, ou tudo ao mesmo tempo, Marieta perdeu o controle da direção e o carro acabou batendo em outro. O resultado do dia foi a volta para a casa da moça, com o jovem casal e carro destruído sobre um guincho.
Muita gente reclama do excesso de veículos nas ruas. Não se dá conta das oportunidades de conquistas amorosas que o trânsito pode trazer. Rodrigo Fernandes conheceu mulher, Cristiana Jácome, entre semáforos. Há oito anos, voltava do trabalho quando a viu sozinha. Buzinou. Ela não deu bola. Ele a seguiu e fez sinal para ela baixar o vidro. Não deu certo. Três semáforos depois, ela cedeu, encostou o carro e trocaram telefones.
O mais engraçado, conta Rodrigo, hoje gerente de acessórios da Amazon, concessionária de veículos em São Paulo, é que tudo que ele usou para fazer bonito na paquera era emprestado. O carro e o aparelho celular pertenciam à avó. Ele acabara de conseguir um emprego. O namoro demorou meses para engatar. “Foi o destino”, diz.
Há quem atribua o casamento a santo Antonio. Mas até o santo casamenteiro pode se servir de carro para mandar o pretendente. Nos anos 1960 apareceu na cidadezinha do interior do Maranhão, onde Teresinha de Jesus Salazar da Rocha vivia, o gerente de uma loja, que começou a paquerá-la. “Era um senhor bem apessoado”, conta ela, hoje com 80 anos, viúva. “Passou um tempo e ele nada de dizer a que veio. Então tive uma conversa séria com santo Antonio. Dei prazo de oito dias para o Paulo vir se explicar. Se até lá não acontecesse nada eu não iria mais olhar para ele”, explica. Mas o santo mandou Paulo num fusquinha no sétimo dia.
“Ele estacionou o carro vermelho na porta da minha repartição e ofereceu-me carona para casa. Só que ele seguiu até uma pracinha meio deserta e então contou, na maior sinceridade, sua vida pregressa Ao final, disse: agora você vai para casa, conte tudo à sua mãe, conversem e, se vocês acharem que eu te mereço, a gente pode assumir compromisso sério. Passamos 33 anos juntos; mas, infelizmente ele já se foi para dizer a santo Antonio que cumpriu a tarefa direitinho e que fomos muito felizes.”
O carro ajuda muito a encurtar distâncias. É o caso do paulista Fabio de Souza Andrade, de 32 anos, e a mineira Emamanuele Sclafani, de 24, que mora em Barbacena. Eles se conheceram em Belo Horizonte há três anos durante evento dos Correios, empresa onde trabalham. Desde então, o carro foi o maior aliado para percorrer os 536 quilômetros que separam o casal.
Mas na véspera da Páscoa de 2010 o moço envolveu-se num acidente provocado por outro motorista descuidado. Fabio salvou-se graças ao airbag do seu Corolla. Do veículo não sobrou nada; o seguro deu perda total. Depois de resgatar, no porta-malas, o ovo de chocolate da namorada, já amassado, Fábio pensou que havia chegado a hora de acabar com a distância e acelerar o plano de casar. O dinheiro do seguro do carro foi usado na compra do apartamento em São Paulo, para onde a noiva se mudará nos próximos meses. Fábio passou a usar ônibus tanto para ir para o trabalho diariamente como para as viagens para Barbacena. As alianças já foram gravadas com a frase: “amor sem fronteiras”.
A vida de hoje não permite aos namorados arriscar-se pelas ruas. Mas Débora Oliveira, de 24 anos, adora passear por São Paulo à noite, de carro. No dia do seu aniversário, há um mês ela pediu para o namorado estacionar o automóvel na ponte estaiada, cartão postal da cidade, só para apreciar a paisagem. “Principalmente no frio é muito bom”, diz. O casal não costuma trocar presentes no dia dos namorados. Mas se Marcelo Pimentel ler essa história é bom saber o desejo de Débora nesse Dia dos Namorados: ver as fontes luminosas pelo para-brisa.
Fonte:Valor