Na tentativa de fazer da poupança um hábito para aqueles indivíduos afeitos ao consumo excessivo, alguns especialistas acreditam valer a pena lançar mão de artifícios vistos com certa desconfiança ou desdém pela corrente mais ortodoxa das finanças pessoais. Assim, apelar para aplicações automáticas ou encarar financiamentos de longuíssimo prazo com o objetivo de adquirir um bem que de outra maneira não seria acessado serviriam como uma espécie de alternativa possível à total falta de compromisso com a própria saúde financeira.

Com o juro ao redor de 7% ao ano, aplicar na poupança é basicamente ter o seu dinheiro corrigido pela inflação. Dá para ganhar mais? Dependendo do tipo de investimento feito, é possível. Mas, para esses especialistas, se a caderneta é a melhor forma encontrada pelo indivíduo para poupar, está valendo. E se o caminho para se chegar à poupança for recorrer, por exemplo, a uma aplicação automática, também.

“As pessoas não são nem um pouco racionais e a dificuldade de poupar é muito similar à dificuldade de fazer uma dieta: na hora em que chega a sobremesa sempre há uma desculpa para merecê-la”, afirma o professor de finanças da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Samy Dana. Assim, diz Roberto Macedo, ex-presidente da Ordem dos Economistas do Brasil, é necessário lançar mão de compromissos nos quais o indivíduo literalmente “se amarra” como forma de poupar.

Dana, da FGV, conta que oferece consultoria a pessoas que sempre gastam todo o salário, mesmo ganhando muito. “Então, sugiro que o sujeito peça ao gerente dele uma aplicação automática que todo fim de mês transfira um tanto para um CDB ou o que for”, diz. Outro artifício recomendado por Dana é a manutenção de contas separadas – no mesmo banco ou não – para os gastos do dia a dia e para a poupança. “O importante é que a pessoa enxergue na conta do dia a dia menos do que o total que ela tem para que, assim, gaste menos”, afirma.

“Muita coisa é válida quando se busca ao menos que a pessoa guarde a ferramenta psicológica do que é poupar dinheiro”, afirma Vera Rita de Mello Ferreira, professora de psicologia econômica da Fipecafi e autora do livro ‘A Cabeça do Investidor’. Na contramão de alguns especialistas que têm horror a instrumentos menos ortodoxos, a psicóloga lembra que, para algumas pessoas, joias ou similares podem até funcionar como um tipo de investimento. “É válido se, no lugar de gastar com sapato, a pessoa gasta com joia”, diz. “Se a ideia dela for ‘se eu não comprar essa joia eu vou torrar o dinheiro’, então a joia acaba a protegendo até certo ponto”, acrescenta.

Na visão de Vera, para alguns é tão complicado guardar dinheiro que, mesmo que o instrumento escolhido para isso não seja o mais adequado, ele vale se ensiná-la a ter alguma disciplina. “Mas tem que tomar cuidado com isso”, diz Vera. “Um título de capitalização atrai pelo sorteio e a mente humana é frágil e acaba se rendendo. Mas não é necessário perder dinheiro para se disciplinar”, diz.

O economista Roberto Macedo consegue ver atrativos até mesmo na criticada capitalização. “O título de capitalização nunca foi investimento. Mas ele atende um determinado segmento. Em vez de jogar na loteria, em que a chance de ganhar é uma em 50 milhões, vale mais comprar um título”, afirma. Ele lembra que, na capitalização, o indivíduo mais propenso a jogar do que acumular recursos não só se satisfaz com a parte lúdica como, dependendo do plano, recebe o dinheiro de volta corrigido pela Taxa Referencial (TR). “E o plano ainda pune a pessoa. Se ela não cumprir todas as prestações, não recebe nem o que pagou. Logo, se a pessoa joga e tem dificuldade de poupar, o plano de capitalização é útil, sim”, avalia.

Além dos planos de capitalização, Macedo ressalta a importância do que chama de “produtos de compromisso com a poupança” para os menos disciplinados. E aí entrariam a transferência automática, o monitoramento social mediante a inserção em grupos de poupadores e até mesmo os antigos cofres portáteis cujas chaves ficavam no banco. Mas o financiamento imobiliário ganha, de longe, a sua preferência.

Segundo Macedo, a aplicação em um fundo ou caderneta de poupança tem o “cadeado meio frouxo”. Em outras palavras, a qualquer momento é possível sacar o dinheiro. “Um financiamento imobiliário é mais difícil abandonar, ainda mais se você estiver morando no apartamento”, lembra. “A vantagem desses esquemas é que, além de poupar mais, não exigem que você faça o que muitos livros de finanças pessoais recomendam: ficar anotando o que se consome. Isso é uma tremenda chatice”, diz.

Não há consenso sobre o que vale ou não como forma de o poupador se autodisciplinar. Dana, da FGV, não acha que o financiamento imobiliário seja um bom recurso. “Eles duram mais do que o casamento no Brasil, fora que o crédito é compromisso que tem que ser honrado faça chuva ou sol e muitas vezes o financiador perde o emprego ou passa a ganhar menos”.

Para Dana, as pessoas se iludem olhando apenas as parcelas do financiamento, esquecendo-se do valor total que estão desembolsando. “Fora que, em um cenário de longo prazo, uma taxa de 10% ou 11% pode se tornar absurdamente alta”, diz. “É ilusão achar que é um bom negócio. Se você não consegue obter o bem de outra forma, tudo bem, mas saiba que você está pagando caro por isso.”

Marcelo d’Agosto, autor do blog “O Consultor Financeiro” no portal Valor, avalia que, para além da falta de disciplina, o ato de acumular não é algo prosaico. “É difícil investir, achar uma alternativa confiável e ter acesso a ela, mas nada justifica aderir a produtos cujos custos são proibitivos”, diz. Segundo ele, a pessoa disposta a poupar deve procurar por algo que renda ao menos o necessário para cobrir a inflação, objetivo que a poupança atualmente cumpre. “Na tentativa de guardar dinheiro, não faz sentido jogá-lo fora”, diz. Dana, da FGV, lembra que a falta de disciplina hoje custa muito mais caro em razão dos juros mais baixos. “Antes se ganhava muito com juro, hoje não, logo é preciso cuidado.”

Em defesa própria, esses especialistas lembram que, para algumas pessoas, poupar se torna uma missão quase impossível sem o uso de algum subterfúgio. “A questão em última instância é proteger o seu dinheiro de você mesmo. E se a intenção for essa, não dá para radicalizar, não”, diz Vera.  Fonte: Valor

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