Um olhar mais atento para o Ibovespa revela que, apesar da reação da bolsa nas últimas semanas, muitas das ações do principal índice do mercado local ainda são negociadas abaixo do seu valor patrimonial. Das 68 ações listadas, 18 valem menos na bolsa do que em seus balanços contábeis e outras 17 estão com preços bem próximos do valor de seus ativos líquidos. Há dois anos, levando-se em conta o mesmo grupo de empresas, sete estavam na mesma situação – sendo que uma não integrava o índice.
É um universo amplo a ser explorado pelo investidor de longo prazo. “Especialmente em momentos de crise, pode surgir a chance de pegar o casamento perfeito: alta rentabilidade e preços em liquidação”, diz o superintendente de renda variável da Itaú Asset Management, Gilberto Nagai.
Um dos investidores mais bem-sucedidos do país, Luiz Barsi Filho, 73 anos, concorda. Na queda que antecedeu o recente repique, ele aproveitou para ampliar posição em papéis como Banco do Brasil e Eletropaulo, de olho em aumentar a renda com dividendos.
Só em agosto, contudo, o Ibovespa acumula alta de 5,67%. O prazo para aproveitar o saldão está perto do fim? Especialistas ainda enxergam oportunidades e dão pistas do que pode ser um bom começo para encontrá-las. Um índice de mercado querido pelos investidores é o P/VPA. O múltiplo indica a relação entre o preço da ação e seu valor patrimonial. Em tese, quanto menor a relação, mais barata estaria a empresa em relação aos seu patrimônio líquido.
Mas o P/VPA não deve ser levado ao pé da letra. “Vale a pena olhar o P/VPA? Sim. Ele é suficiente para tomar uma decisão? Não”, explica o diretor da SulAmérica Investimentos, Marcelo Saddi. Segundo ele, não há como dispensar uma análise qualitativa dos fundamentos das empresas, mas o múltiplo pode servir de ponto de partida.
As ações da Eletrobras, que lideram o ranking das companhias com o menor índice P/VPA, são um caso típico. Na bolsa, esses papéis valem cerca de um terço do total de seus ativos líquidos, segundo levantamento do Valor Data com base em dados da Economatica. Isso poderia ser considerado uma pechincha, mas, lembra o sócio e gestor dos fundos de ações da Claritas, Helder Soares, a companhia sofre ingerência do governo, tem investimentos de baixo retorno e é parte da solução para distribuidoras em dificuldade financeira.
Uma forma de fugir das armadilhas, dizem os especialistas, seria incrementar a análise do papel, unindo o P/VPA a um indicador de rentabilidade, como o retorno sobre o patrimônio líquido (ROE, na sigla em inglês). Essa seria uma maneira mais eficiente de separar uma boa oportunidade das empresas com baixos múltiplos, mas com perspectivas ruins.
No exemplo das ações preferenciais classe B (PNB) de Eletrobras, a ideia de pechincha fica comprometida se as atenções se voltarem para retorno sobre o patrimônio. O ROE anualizado de 4,75%, apurado em março, ficava bem abaixo do custo de oportunidade, a taxa Selic de 9,75% ao ano na ocasião.
Há, no entanto, casos como o do Banco do Brasil, cujas ações estão sendo negociadas próximas do valor patrimonial (1,12), apesar do retorno superior a 20%. É dessa combinação que o investidor deve partir, segundo os especialistas.
Para Nagai, da Itaú Asset, olhar os dois indicadores juntos é um excelente começo. Ele lembra, inclusive, que essa é a primeira análise a amparar gestoras com equipes reduzidas. Érico Argolo, sócio da Bogari Capital, diz que descobrir, por meio dos dois múltiplos, que uma ação parece atrativa é um indicativo de que pode valer a pena uma investigação mais aprofundada. “Mas é preciso entender o porquê de múltiplos baixos”, ressalta.
José Francisco Cataldo, estrategista de varejo da Bradesco e Ágora Corretora, lembra ainda que há casos em que a empresa faz um aumento de capital, mas ainda não investiu, gerando distorção no ROE de curtíssimo prazo. Assim, em um segundo momento seria preciso estudar mais a fundo a empresa e o setor em que está inserida para saber se esses indicadores vão se deteriorar ou não.
Entre os setores com boas perspectivas de rentabilidade e um múltiplo P/VPA ainda deprimido, os casos clássicos são o setores de bancos e mineração e, até mesmo, as ações da Petrobras.
“O P/VPA das mineradoras ainda está baixo porque o mercado está pessimista, acreditando que o lucro delas pode ser afetado por uma desaceleração na China. Mas estamos razoavelmente convictos de que não vai haver ruptura na China”, diz Nagai, da Itaú Asset. “Não há perspectiva de queda de preços de minério de ferro. Além disso, as ações da Vale caíram tanto que o ‘dividend yield’ se tornou bastante atrativo”, complementa Soares, da Claritas.
Entre os bancos, a percepção é que o P/VPA chegou a cair muito em razão da intervenção governamental. “Mas os bancos são mais seguros porque a administração protege seu ativo”, diz Nagai. “Eles conseguem ponderar muito bem a relação entre o aumento das linhas de crédito, os spreads e a inadimplência e, se virem algo de anormal, desaceleram o crédito.”
Com relação à Petrobras, cujas ações eram negociadas a um preço equivalente a cerca de 80% do valor patrimonial, a avaliação é que os papéis caíram muito em razão do retorno menor de seus projetos. Mas a expectativa é que esta rentabilidade melhore. “É um bom negócio, mas para o longo prazo, quando a produção melhorar e os preços de combustíveis estiverem alinhados”, diz Soares, da Claritas. Argolo, da Bogari, diz que o papel está sob análise. “O preço parece interessante, é um dos casos que olhamos a fundo. Parece barata.”
Há ainda papéis com múltiplos P/VPA baixos e histórico de rentabilidade ruim, mas que começam a entrar no radar de analistas em razão de projeções positivas. Soares cita o caso do setor de papel e celulose, que pode melhorar sua lucratividade dado o novo patamar de câmbio. Além disso, diz, essas empresas têm ativos para transformar em dinheiro, como fez a Fibria ao vender florestas.
Na lista dos múltiplos mais baixos figuram dois setores cercados de dúvidas: o elétrico e o de construção civil. As empresas de energia estão baratas sob a ótica do P/VPA e algumas até apresentam ROE elevado, mas eventos como a revisão tarifária e incertezas acerca da renovação das concessões podem prejudicar o retorno. Entre os problemas que as construtoras enfrentam, destaca Soares, está o estouro de orçamento e a dúvida se os balanços refletem a realidade.
“Tem ativos e passivos que estão fora do balanço. No caso das incorporadoras, receitas de vendas feitas hoje e a obrigação de construir não podem ser vistas nos balanços”, diz o gestor da GAP Asset Management, Ivan Guetta. Segundo ele, isso mostra que o valor patrimonial, que é uma medida contábil, pode não refletir a realidade, o que dificulta a análise. “Esses indicadores têm de ser analisados num contexto que envolve fundamentos e perspectivas”, conclui.
Fonte:Valor