Em uma mostra de decoração, realizada em março no Rio, a arquiteta Ana Lucia Jucá compôs um dos seus ambientes com uma pintura do artista plástico francês Benoit Gentil. A obra se valia da técnica do “trompe-l’oeil” para simular uma biblioteca real, ocupando sete metros de uma das paredes do evento. Na época, em entrevista para “O Globo”, Ana Lucia defendia esse tipo de opção, em clara oposição a estantes de livros. “Não precisamos mais ter livro em casa, eles estão no iPad, a um clique”, disse a arquiteta, e, prosseguindo, ao menos encontrou um uso derradeiro para esses velhos objetos: dar “aconchego à decoração”. Por mais que cause consternação aos amantes de obras impressas, as ideias de Ana Lucia apontam para mais uma das profundas transformações que tomam o mercado editorial. Não se trata apenas da migração de acervos para o mundo digital ou da modificação de hábitos de leitura, mas sim de uma atualização dos fetiches despertados pelas edições em papel.
Por alguns séculos, bibliotecas desempenharam em âmbito doméstico essa função. Cômodos nos quais se acumulavam volumes, que, além de “aconchego” aos ambientes, traziam status e demonstração de poder aos seus proprietários. Não era incomum, por exemplo, em famílias afluentes, a encomenda de bibliotecas de livros falsos, formadas por blocos de lombadas geminadas.
Alguns desses valores foram transferidos, nas últimas décadas do século passado, para as megalivrarias, que brotaram primeiro nos Estados Unidos e depois se espalharam por todo o mundo. Um local onde era possível passar parte do dia percorrendo seções, lendo trechos de obras, tomando café expresso ou cappuccino, e até comprando livros e uma série de outros itens, de preferência com descontos.
Essa é a equação que Joe Fox, personagem de Tom Hanks em “Mensagem para Você”, filme de Nora Ephron, do fim dos anos 1990, defende. Com todos os estereótipos associados aos tubarões capitalistas, ele capitaneia o avanço da rede de livrarias de sua família, levando antigos e tradicionais estabelecimentos, como a livraria infantil criada pela mãe da personagem de Meg Ryan, à bancarrota.
Visto hoje, o filme parece uma fábula sobre um curto período de tempo na história do mercado editorial. Afinal, uma década mais tarde, foi a vez de negócios como o de Joe Fox serem engolidos por novos gigantes como a Amazon, como bem atestam a falência da rede Borders alguns anos atrás, e a séria crise que atinge a Barnes & Nobles.